terça-feira, 27 de agosto de 2019

Deleuze diz, admiravelmente : “A psicose e sua linguagem são inseparáveis do ‘procedimento lingüístico', de um procedimento lingüístico. Foi o problema do procedimento que, na psicose, substituiu o problema da significação e do recalcamento” (prefácio a Louis Wolfson , Le schizo et les langues, Gallimard, 1970, p. 23). 

Ele começa a funcionar quando a relação das palavras com as coisas não é mais de designação, a relação entre uma proposição e outra não é mais de significação, a relação entre um a língua e outra (ou entre um estado de língua e um outro) não é mais de tradução . O procedimento é. inicialmente, aquilo que manipula as coisas imbricadas nas palavras, não absolutamente para separá-las delas e restituir à linguagem seu puro poder de designação, mas para purificar as coisas, esterilizá-las, afastar todas aquelas que estão carregadas de um poder nocivo, exorcizar a “má matéria doente", como diz Wolfson.

O procedimento é, também, aquilo que, de uma proposição a outra, por mais próximas que estejam, além de descobrir uma equivalência significativa, constrói toda uma extensão de discursos, de aventuras, de cenas, de personagens e de mecânicas que efetuam eles próprios a translação material: espaço rousseliano do entre duas frases. O procedimento, enfim - e isso no extremo oposto de qualquer tradução - , decompõe um estado de língua em um outro , e com essas ruínas, com esses fragmentos, com esses tições ainda incandescentes constrói um cenário para encenar novamente as cenas de violência, de assassinato e de antropofagia. Eis-nos de volta à impura absorção. Mas trata-se de um a espiral - não de um círculo: pois não estamos mais no mesmo nível; Wolfson temia que, por intermédio das palavras, o mau objeto materno entrasse em seu corpo; Brisset encena a devoração dos homens sob a garra das palavras tornadas novamente selvagens.

FOUCAULT, M. (1970/2001) “Sete proposições sobre o sétimo anjo”, in Estética: literatura e pintura, música e cinema. Rio de Janeiro: Forense Universitária, p309





Benivaldo do Nascimento Junior

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