Lacan diferenciou com precisão DEMANDA, de DESEJO, e de NECESSIDADE. A demanda é uma formulação verbal que leva implícito um pedido de amor e sua decepção se chama FRUSTRAÇÃO. O desejo anseia a reativação alucinatória de um fantasma, na qual, de uma forma ou de outra, se tenta apagar a separação entre sujeito e objeto, restaurando, assim, um estado narcísico; sua decepção se chama CASTRAÇÃO. A necessidade exige os objetos materiais específicos capazes de satisfazê-la, e sua insatisfação se chama PRIVAÇÃO.
Em um sujeito psíquico, já não se pode especificar as exigências de sua necessidade (como em um animal) sem considerar a influência que a demanda e o desejo têm sobre ela. Como pode ser apreciado, tanto no discurso filosófico como no psicanalítico, como no sentido comum, é bastante possível encontrar o termo Desejo dotado dos seguintes atributos:
- É uma força impulsora ou animadora de processos em um indivíduo-sujeita-pessoa.
- Essa força induz o sujeito a obter objetos (que ainda que também sejam reais ou simbólicos, no fundo, são imaginários, ou seja, que em um sentido específico, não existem).
- Os objetos procurados tentam reencontrar um objeto supostamente tido e perdido, ou seja, anseiam reativar a marca com a qual esse objeto ficou na memória (consciente ou inconsciente). A vivência que caracteriza o Desejo é uma espécie de nostalgia.
- A aparente obtenção de um objeto de Desejo dá um prazer transitório, mas, como o Desejo não tem, a rigor, objeto, é insaciável.
- Tais características fazem com que o Desejo continue interminavelmente sua busca do objeto, e que essa procura, processada por outras instâncias do sujeito, se transforme em animadora de outros rendimentos psíquicos e culturais superiores.
Quando Freud descreve as características das instâncias, espaços e sistemas pré-conscientes e inconscientes, constata que em cada um deles acontecem funcionamentos, que são chamados de PROCESSOS, que funcionam com peculiaridades diferentes.
O pré-consciente – consciente funciona segundo o Processo Secundário.
Neste funcionamento, as forças animam representações de acordo com uma lógica que coincide com a lógica aristotélica, que todos costumamos reconhecer como sendo A ÚNICA LÓGICA POSSÍVEL. Esta se caracteriza pelo Princípio de Identidade (A =
A), Princípio de Contradição ( A não é = B), Princípio de Terceiro Excluído ( se A não é = B e B não é = C, C não é = A). Como se pode ver, no Processo Secundário, existe afirmação ou positividade, mas também existe negação ou negatividade. É em função disso que existe ideia e sentimento de falta, de ausência, de morte, de diferenças quantitativas e qualitativas, de sucessão temporal, etc.
A partir de uma leitura Esquizoanalítica, é possível distinguir na Obra de Freud duas caracterizações diversas de Inconsciente e de Processos Primários. Uma delas (que chamaremos estrutural ou edipiana), parece mostrar algumas peculiaridades originais que não são as mesmas que as do pré-consciente – consciente e do processo secundário, mas também outras bastante parecidas. Por exemplo, A pode ser A e NÃO/A, assim como certa Ordem que lhe é própria. Mas também em Freud (em suas teorizações a respeito na primeira Tópica e na Segunda – Conceito de Id, Ello ou Isso), encontramos uma conceitualização segundo a qual o Inconsciente – Processo Primário é DRASTICAMENTE diferente do outro.
O inconsciente – Id – Processo Primário tem a seguinte composição e
funcionamento:
- Compõe-se de um conjunto infinito de positividades, não tem negação nem negatividade.
- Não reconhece falta, ausência, nem nostalgia alguma.
- Não tem Ordem alguma, é um "caos" que Freud compara a um "caldeirão fervente de estímulos".
- Cada um de seus elementos constitutivos é uma "unidade" absolutamente diferente das outras, que se caracteriza por sua INTENSIDADE (não por sua qualidade nem por sua quantidade), sendo que sua intensidade pode se definir como a potência que tem de gerar, a partir dela e de suas combinações com as outras, algo COMPLETAMENTE NOVO. Essas unidades nem "são" nem "existem", são puro devir e pura diferença.
- Não funciona de acordo com um tempo cronológico, nem com uma lógica aristotélica, nem com nenhuma outra das já conhecidas e aceitas.
- Se se quer relacionar esse processo com o DESEJO, só se pode dizer (alegoricamente) que seu único "desejo" é o de PRODUZIR O NOVO.
Baremblitt, Gregório [2003]. Introdução à Esquizoanálise 2. Ed., Belo Horizonte: Biblioteca Instituto Félix Guattari, 2003, p79-80.
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