segunda-feira, 19 de agosto de 2019


Lacan diferenciou com precisão DEMANDA, de DESEJO, e de NECESSIDADE. A demanda é uma formulação verbal que leva implícito um pedido de amor e sua decepção se chama FRUSTRAÇÃO. O desejo anseia a reativação alucinatória de um fantasma, na qual, de uma forma ou de outra, se tenta apagar a separação entre sujeito e objeto, restaurando, assim, um estado narcísico; sua decepção se chama CASTRAÇÃO. A necessidade exige os objetos materiais específicos capazes de satisfazê-la, e sua insatisfação se chama PRIVAÇÃO. 


Em um sujeito psíquico, já não se pode especificar as exigências de sua necessidade (como em um animal) sem considerar a influência que a demanda e o desejo têm sobre ela. Como pode ser apreciado, tanto no discurso filosófico como no psicanalítico, como no sentido comum, é bastante possível encontrar o termo Desejo dotado dos seguintes atributos: 

  1. É uma força impulsora ou animadora de processos em um indivíduo-sujeita-pessoa. 
  2. Essa força induz o sujeito a obter objetos (que ainda que também sejam reais ou simbólicos, no fundo, são imaginários, ou seja, que em um sentido específico, não existem). 
  3. Os objetos procurados tentam reencontrar um objeto supostamente tido e perdido, ou seja, anseiam reativar a marca com a qual esse objeto ficou na memória (consciente ou inconsciente). A vivência que caracteriza o Desejo é uma espécie de nostalgia. 
  4. A aparente obtenção de um objeto de Desejo dá um prazer transitório, mas, como o Desejo não tem, a rigor, objeto, é insaciável.  
  5. Tais características fazem com que o Desejo continue interminavelmente sua busca do objeto, e que essa procura, processada por outras instâncias do sujeito, se transforme em animadora de outros rendimentos psíquicos e culturais superiores.

Quando Freud descreve as características das instâncias, espaços e sistemas pré-conscientes e inconscientes, constata que em cada um deles acontecem funcionamentos, que são chamados de PROCESSOS, que funcionam com peculiaridades diferentes.

O pré-consciente – consciente funciona segundo o Processo Secundário. 

Neste funcionamento, as forças animam representações de acordo com uma lógica que coincide com a lógica aristotélica, que todos costumamos reconhecer como sendo A ÚNICA LÓGICA POSSÍVEL. Esta se caracteriza pelo Princípio de Identidade (A =  A), Princípio de Contradição ( A não é = B), Princípio de Terceiro Excluído ( se A não é = B e B não é = C, C não é = A). Como se pode ver, no Processo Secundário, existe afirmação ou positividade, mas também existe negação ou negatividade. É em função disso que existe ideia e sentimento de falta, de ausência, de morte, de diferenças quantitativas e qualitativas, de sucessão temporal, etc.

A partir de uma leitura Esquizoanalítica, é possível distinguir na Obra de Freud duas caracterizações diversas de Inconsciente e de Processos Primários. Uma delas (que chamaremos estrutural ou edipiana), parece mostrar algumas peculiaridades originais que não são as mesmas que as do pré-consciente – consciente e do processo secundário, mas também outras bastante parecidas. Por exemplo, A pode ser A e NÃO/A, assim como certa Ordem que lhe é própria. Mas também em Freud (em suas teorizações a respeito na primeira Tópica e na Segunda – Conceito de Id, Ello ou Isso), encontramos uma conceitualização segundo a qual o Inconsciente – Processo Primário é DRASTICAMENTE diferente do outro. 

O inconsciente – Id – Processo Primário tem a seguinte composição e
funcionamento: 
  1. Compõe-se de um conjunto infinito de positividades, não tem negação nem negatividade.
  2. Não reconhece falta, ausência, nem nostalgia alguma.
  3. Não tem Ordem alguma, é um "caos" que Freud compara a um "caldeirão fervente de estímulos".
  4. Cada um de seus elementos constitutivos é uma "unidade" absolutamente diferente das outras, que se caracteriza por sua INTENSIDADE (não por sua qualidade nem por sua quantidade), sendo que sua intensidade pode se definir como a potência que tem de gerar, a partir dela e de suas combinações com as outras, algo COMPLETAMENTE NOVO. Essas unidades nem "são" nem "existem", são puro devir e pura diferença. 
  5. Não funciona de acordo com um tempo cronológico, nem com uma lógica aristotélica, nem com nenhuma outra das já conhecidas e aceitas.
  6. Se se quer relacionar esse processo com o DESEJO, só se pode dizer (alegoricamente) que seu único "desejo" é o de PRODUZIR O NOVO.




Baremblitt, Gregório [2003]. Introdução à Esquizoanálise 2. Ed., Belo Horizonte: Biblioteca Instituto Félix Guattari, 2003, p79-80.

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