domingo, 4 de agosto de 2019

As Esquizoanálises são uma Klínica da Crueldade


Aposto na palavra Klínica com K (a partir da palavra clinâmen como desvio/desviança/desvi-dança/devir-dança) e não a partir de Kline e Klino que remontam a ideia de enclinar, repousar, passividade porque a perspectiva esquizo diz muito mais de um movimento de outramento do que de uma lógica passiva do paciente que espera do analista a cura pronta, pré-existente, em a priori.
Em vez de naturalizar os sujeitos ou de crer em lógicas ancoradas ora em psicologismo que crê em uma perspectiva intrapsíquica, encapsulada, ora em uma perspectiva biologicista, a partir da ideia de mente como sinônimo de cérebro, as Esquizoanálises pensam o sujeito como um produto derivado de um processo de produção desejante-social (desejante porque social, social porque desejante) em que há acoplagens, relações de fluxo e corte, agenciamentos que intercruzam constante e ininterruptamente o dentro e fora em relações de afetar – ser afetado , cocriar e criar – ser criado.
Dessa forma, entendemos uma ontologia calcada na diferença, nos movimentos de força, nas relações estéticas (auto e exopoiética) em modos de processo de subjetivação que não faz mais sentido falar em Ser, Eu, Identidade como categorias estáticas, constituídas, estruturadas. Ou seja, aposta-se na compreensão de uma heterogênese em uma perspectiva voltada ao devir, aos movimentos de transmutação, de outramento.
Dessa forma, todas as Klínicas Esquizo funcionam como uma cartografia que mapeia-intervém nos movimentos do desejo (enquanto produção e não enquanto falta), nas maneiras como estas relações entre dentro – fora, afetar – ser afetado, poder – potência, forma – força se agenciam de constituição de subjetividades (individuais, coletivas, sociais, etc).
Na relação entre criar-se/ser criado por vezes a diferença é cooptada enquanto força ontogenética e se recai em um modo engessado, enclausurado, identitarizado de se repetir em uma série de “EU SOU ISSO”... quando a possibilidade de metamorfosear-se recai em círculos viciosos ancorados na falta, na nadificação, nas SERtezas enrijecidas do eu.
Eu que rumina, re-sente, re-age, re-pete, re...re... re... Recolhido a uma subtração de sua capacidade de agir tem um gesso existencial, que imobiliza e impede o movimento plural.
Diante da inseparabilidade entre criar e destruir, as klínicas esquizo por vezes precisam de criar rupturas, fissuras, cortes para que possa emergir a pluralidade, a multipli-SI-dade.
Por vezes é preciso produzir fissuras para que a diferencriação possa existir e o novo surja como possibilidade (e como poesibilidade) de um existir marcado por tentativas de negação de sua heterogênese, por um motivo: a diferença é difícil de controlar, pois foge, agencia, resiste, flui, desvia, dança.
Eles suportam nossa raiva, nosso ódio, eles produzem nossa tristeza, nosso embotamento, nosso afastamento do que podemos, eles desejam que a gente se organize, organize... Há uma gestão das nossas crises produzindo uma desorganização deliberada para que nos reorganizemos a partir de seus interesses.
Eles não suportam o devir, o outramento, as mu-danças, a alegria como afeto ativo de uma biopotência que ri, brinca, surta, desvia, desvê, desvela, desvai, des-crê, des-Ser...
Assim, as Klínicas Esquizoanalíticas operam sempre esse jogo nos entremeios entre criar e destruir, entre acompanhar, afirmar e intensificar as linhas de fuga, as microguerrilhas desejantes pelas frestas e... e... e... uma produção cruel de fissuras nas ilusões de identidade, de neutralidade, de édipo, de negação, de castração, da falta, do poder, do engessamento fantasiado de normalidade, homogeneidade, cura.
Afinal, não há criação dissociada de uma disrupção, toda disrupção é criadora... Cabe-nos sempre questionar: o que criamos através de nossas fissuras? Autor/Publicação: Esquizografias

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