quinta-feira, 3 de abril de 2025

Classificação dos Fármacos Utilizados em Anestesia Odontológica

 

1. Classificação dos Fármacos Utilizados em Anestesia Odontológica

1.1 Anestésicos locais de uso odontológico

Os anestésicos locais mais utilizados pertencem à classe das amidas, dado seu perfil farmacocinético mais seguro em comparação com os ésteres. Abaixo estão os principais agentes:

1.1.1 Lidocaína (2%)

  • Classe: Amida.

  • Início de ação: Rápido (2–3 minutos).

  • Duração: Moderada (60–90 minutos para infiltração; 180 min com vasoconstritor).

  • Vasoconstritor associado: Geralmente epinefrina a 1:100.000 ou 1:80.000.

  • Indicação: Versátil, utilizada para bloqueios e infiltrações.

  • Mecanismo de ação: Bloqueio dos canais de sódio dependentes de voltagem em neurônios periféricos.

1.1.2 Articaína (4%)

  • Classe: Amida com anel tiopenteno, com metabolismo dual hepático/plasmático.

  • Início de ação: Rápido (1–3 minutos).

  • Duração: Longa (até 240 minutos com vasoconstritor).

  • Vasoconstritor: Normalmente epinefrina a 1:100.000.

  • Características específicas: Alta difusão óssea, indicada em infiltrações superiores e bloqueios mandibulares.

  • Toxicidade: Pode estar associada a parestesias em alguns relatos.

1.1.3 Mepivacaína (3%)

  • Classe: Amida.

  • Início de ação: Rápido (1,5–2 minutos).

  • Duração: Curta sem vasoconstritor (20–40 minutos), útil quando se deseja recuperação sensorial rápida.

  • Vasoconstritor: Pode ser usada sem vasoconstritor devido à sua leve ação vasoconstritora intrínseca.

  • Indicação: Pacientes com contraindicação ao uso de epinefrina.

1.1.4 Prilocaína (4%)

  • Classe: Amida.

  • Risco: Pode causar meta-hemoglobinemia em altas doses.

  • Vasoconstritor: Geralmente com felipressina (vasoconstritor não adrenérgico).

  • Indicação: Útil em pacientes com doenças cardiovasculares, devido à menor carga adrenérgica.

1.1.5 Bupivacaína (0,5%)

  • Classe: Amida.

  • Início de ação: Lento (6–10 minutos).

  • Duração: Longa (até 7 horas).

  • Indicação: Procedimentos extensos ou pós-operatórios com dor intensa.

  • Risco: Maior cardiotoxicidade em comparação com lidocaína.


1.2 Vasoconstritores utilizados em associação

Os vasoconstritores retardam a absorção sistêmica, prolongam o tempo de ação e reduzem o risco de toxicidade sistêmica:

1.2.1 Epinefrina (Adrenalina)

  • Concentração comum: 1:100.000 ou 1:80.000.

  • Receptores: Agonista alfa-1, reduz o fluxo sanguíneo local.

  • Considerações: Contraindicada em pacientes com arritmias graves, hipertireoidismo descontrolado ou feocromocitoma.

1.2.2 Felipressina

  • Mecanismo: Análogo da vasopressina, menos efeito cardíaco.

  • Usada com: Prilocaína.

  • Indicação: Pacientes com contraindicação relativa à epinefrina.


1.3 Sedação Consciente Adjuvante (quando necessária)

Em casos de ansiedade ou fobia odontológica, a sedação consciente pode ser aplicada:

1.3.1 Óxido nitroso (N₂O)

  • Administração: Inalatória, em mistura com oxigênio (tipicamente 30–50% N₂O).

  • Mecanismo: Modulação GABAérgica e antagonismo parcial NMDA.

  • Vantagens: Rápido início e recuperação, baixa toxicidade.

1.3.2 Midazolam

  • Classe: Benzodiazepínico.

  • Via: Oral ou intravenosa.

  • Mecanismo: Agonista GABA-A, ansiolítico, amnésico e miorrelaxante.


2. Mecanismo Fisiológico e Bioquímico da Anestesia Local

Os anestésicos locais amida-tipo atuam bloqueando os canais de sódio dependentes de voltagem (Nav1.7, Nav1.8), impedindo a despolarização neuronal e, portanto, a condução dos impulsos aferentes dolorosos. A ligação ocorre preferencialmente com o canal em seu estado inativo, o que aumenta a seletividade para fibras nervosas que estão em disparo frequente, como as fibras nociceptivas (A-δ e C).


3. Considerações Farmacocinéticas e Toxicológicas

  • Metabolismo: As amidas são metabolizadas primariamente no fígado por enzimas do citocromo P450 (ex: CYP1A2, CYP3A4).

  • Excreção: Renal, como metabólitos inativos.

  • Toxicidade: Em caso de absorção sistêmica excessiva, podem causar convulsões, bradicardia e parada cardíaca.

  • Interações: Precaução com betabloqueadores, antidepressivos tricíclicos e inibidores da MAO, que podem potencializar os efeitos adrenérgicos dos vasoconstritores.


4. Referências Bibliográficas Fundamentais

  1. Malamed SF. Handbook of Local Anesthesia, 7th ed. Elsevier; 2020.
    https://www.elsevier.com/books/handbook-of-local-anesthesia/malamed/978-0-323-54387-1

  2. Hersh EV, Giannakopoulos H. "Beta-Blocker Interaction with Epinephrine in Dentistry: A Review and Clinical Recommendations." J Am Dent Assoc. 2018;149(11):954–960.e1.
    https://doi.org/10.1016/j.adaj.2018.06.012

  3. Becker DE, Reed KL. "Local Anesthetics: Review of Pharmacological Considerations." Anesth Prog. 2012;59(2):90–101.
    https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3362969/

  4. Moore PA, Hersh EV. "Local Anesthetics: Pharmacology and Toxicity." Dent Clin North Am. 2010;54(4):587–599.
    https://doi.org/10.1016/j.cden.2010.06.001


1. Mecanismos farmacológicos relevantes

1.1 Ausência de ação direta gástrica dos anestésicos locais

1.1.1 Farmacocinética e local de ação

Os anestésicos locais atuam nos nervos periféricos, bloqueando os canais de sódio dependentes de voltagem (Nav1.7/1.8), inibindo a condução de impulsos nociceptivos. Eles não atravessam a mucosa gástrica nem são absorvidos por essa via, o que exclui qualquer ação tópica ou lesiva direta sobre o epitélio gástrico.

1.1.2 Metabolismo hepático

Após absorção sistêmica, essas substâncias são metabolizadas pelo sistema enzimático microssomal hepático (CYP1A2, CYP3A4, entre outros), formando metabólitos hidrossolúveis excretados por via renal. Essa via metabólica não altera diretamente a secreção ácida gástrica nem interfere nos mecanismos protetores da mucosa gástrica (secreção de bicarbonato, muco, prostaglandinas).


2. Possíveis mecanismos indiretos de exacerbação da gastrite

Embora não haja ação direta gástrica, certas circunstâncias clínicas associadas ao uso de anestésicos locais podem contribuir para a descompensação de um quadro dispéptico funcional ou gastrite erosiva, como segue:

2.1 Ativação adrenérgica secundária ao vasoconstritor

2.1.1 Epinefrina associada ao anestésico

A maioria dos anestésicos locais é combinada com epinefrina (adrenalina), a fim de prolongar o efeito anestésico e reduzir o sangramento local. A epinefrina, ao ativar receptores adrenérgicos alfa-1, beta-1 e beta-2, desencadeia uma resposta simpática sistêmica discreta.

2.1.2 Consequência gástrica: inibição do fluxo sanguíneo esplâncnico

A estimulação alfa-adrenérgica pode resultar em vasoconstrição esplâncnica, com consequente redução da perfusão da mucosa gástrica, favorecendo o desequilíbrio entre fatores agressivos (ácido clorídrico, pepsina) e defensivos (fluxo sanguíneo mucoso, secreção de prostaglandinas e muco). Tal condição pode agravar lesões epiteliais pré-existentes em indivíduos com gastrite erosiva.

2.1.3 Estímulo beta-adrenérgico e secreção ácida

Embora menos frequente, há descrição de aumento da secreção gástrica em situações de ativação beta-adrenérgica, especialmente em resposta ao estresse agudo, o que pode contribuir para exacerbação de sintomas dispépticos em pacientes predispostos.

2.2 Resposta neurovegetativa ao estresse odontológico

O procedimento odontológico, por si só, é um estressor psicofisiológico com repercussões autonômicas importantes:

  • Ativação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA), elevando o cortisol plasmático.

  • Estímulo parassimpático-vagal, especialmente em pacientes com síndrome ansiosa ou fobia odontológica, pode provocar hipersecreção gástrica e aumento do tônus do esfíncter esofágico inferior, agravando refluxo gastroesofágico.

Essa neuroregulação entérica disfuncional, se associada a um quadro de gastrite pré-existente, pode exacerbar tanto sintomas quanto lesões histológicas, mesmo que o fármaco em si não tenha ação direta.


3. Especificidade dos vasoconstritores: epinefrina versus felipressina

3.1 Epinefrina

  • Potencialmente mais implicada nos efeitos descritos acima.

  • Interage com o sistema autônomo de forma intensa.

  • Pode exacerbar sintomas dispépticos em pacientes com gastrite funcional sensível a catecolaminas.

3.2 Felipressina

  • Análogo da vasopressina, atua por mecanismo V1, com menos repercussão simpática sistêmica.

  • Teoricamente menos propensa a induzir efeitos colaterais gastrintestinais indiretos.


4. Revisão crítica da literatura

Embora estudos específicos correlacionando diretamente anestésicos locais com agravamento de gastrite sejam escassos, a literatura reconhece os efeitos simpaticomiméticos indiretos da epinefrina em múltiplos sistemas.

4.1 Referências bibliográficas

  1. Malamed SF. Handbook of Local Anesthesia, 7th ed. Elsevier, 2020.
    https://www.elsevier.com/books/handbook-of-local-anesthesia/malamed/978-0-323-54387-1

  2. Becker DE. "Pharmacodynamic considerations for dental sedation and local anesthesia." Anesth Prog. 2011;58(2):66–76.
    https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3085928/

  3. Konturek PC, Brzozowski T, Konturek SJ. "Stress and the gut: pathophysiology, clinical consequences, diagnostic approach and treatment options." J Physiol Pharmacol. 2011;62(6):591–599.
    https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/22314561/

  4. Taché Y, Bonaz B. "Corticotropin-releasing factor receptors and stress-related alterations of gut motor function." J Clin Invest. 2007;117(1):33–40.
    https://doi.org/10.1172/JCI30005


5. Considerações finais

Em síntese, os anestésicos locais utilizados em odontologia não agravam diretamente quadros de gastrite, mas a epinefrina associada a esses anestésicos pode, sob certas condições neurofisiológicas e autonômicas, contribuir para exacerbações indiretas. Esses efeitos são geralmente autolimitados, leves e circunscritos a pacientes com gastrite ativa ou hipersensibilidade visceral gástrica.

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