segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Mas, contra essa ideia da originalidade e da imprevisibilidade absolutas das formas, toda nossa inteligência se insurge. Nossa inteligência, tal como a evolução da vida a modelou, tem por função essencial iluminar nossa conduta, preparar nossa ação sobre as coisas, prever, com relação a uma situação dada, os acontecimentos favoráveis ou desfavoráveis que podem se seguir. Instintivamente, portanto, isola em uma situação aquilo que se assemelha ao já conhecido; procura o mesmo, a fim de poder aplicar seu princípio segundo o qual "o mesmo produz o mesmo". Nisso consiste a previsão do porvir pelo senso comum. A ciência leva essa separação ao mais alto grau possível de exatidão e precisão, mas não altera seu caráter essencial. Como o conhecimento usual, a ciência retém das coisas apenas o aspecto repetição. Se o todo é original, arranja-se de modo a analisá-lo em elementos ou em aspectos que sejam aproximadamente a reprodução do passado. Só pode operar sobre aquilo que presumidamente se repete, isto e, sobre aquilo que, por hipótese, está subtraído à ação da duração. Escapa-lhe o que há de irredutível e de irreversível nos momentos sucessivos de uma história. Para representar-se essa irredutibilidade e essa irreversibilidade, é preciso romper com hábitos científicos que respondem as exigências fundamentais do pensamento, fazer violência ao espírito, escalar de volta a inclinação natural da inteligência.

Bergson. Henri.  A Evolução Criadora: tradução Bento Prado, Martins Fonte, São Paulo, 2005. p32

Nenhum comentário:

Postar um comentário