Fragmentos sobre a perda do ser amado em "Fragmentos de um discurso amoroso", traduzidos para o português
1. O abismo como
perda da imagem:
"... a imagem do
outro — à qual eu aderia, da qual eu vivia — já não existe; ora é uma
catástrofe (fútil) que parece afastá-la para sempre, ora é uma felicidade
excessiva que me faz reencontrá-la; seja como for, separado ou dissolvido, não
sou acolhido em lugar nenhum; em frente, nem eu, nem tu, nem a morte, ninguém
mais a quem falar." (Me abismo, sucumbo, página 9)
Este fragmento representa o impacto inicial da perda, a
sensação de vazio e desorientação. O sujeito se sente "separado ou
dissolvido", sem lugar no mundo, pois a imagem do ser amado, que era fonte
de apego e sentido, desapareceu. Essa experiência de "abismo" é
análoga ao choque e à negação, etapas iniciais do luto.
2. A angústia como
temor de um luto já ocorrido:
"Seria necessário
que alguém pudesse me dizer: 'Não fique mais angustiado, você já o(a)
perdeu.'" (Agony, página 22)
Aqui, a angústia é entendida como a antecipação da dor da
perda, um medo constante de que a ausência se torne definitiva. É como se o
sujeito já tivesse experimentado a perda em um nível profundo, e a angústia
fosse a manifestação desse trauma original.
3. O ausente e a
manipulação do luto:
"A ausência se
converte numa prática ativa, numa azáfama (que me impede de fazer qualquer
outra coisa); nela se cria uma ficção de múltiplas funções (dúvidas, censuras,
desejos, melancolias). Esta encenação linguística afasta a morte do
outro..." (O ausente, página 27)
Neste trecho, vemos o sujeito tentando lidar com a ausência
através da linguagem e da imaginação. Ele cria "ficções" e "encenações
linguísticas" para manter o ser amado vivo em sua mente, adiando o
confronto com a realidade da perda. Essa "manipulação do luto" pode
ser vista como uma forma de barganha, uma tentativa de controlar a dor.
4. A espera e a
alucinação do regresso:
"... no café,
toda pessoa que entra, se possui a menor semelhança de silhueta, é deste modo,
num primeiro movimento, reconhecida. E muito tempo depois que a relação amorosa
se aquietou conservo o hábito de alucinar o ser que amei... sou um mutilado que continua a sentir dor na
perna amputada. " (A espera, página 94)
A espera se torna uma obsessão, e o sujeito passa a ver o
ser amado em todos os lugares, mesmo sabendo que ele não está presente. A
alucinação é um mecanismo de defesa que permite ao sujeito manter a esperança
do retorno, mesmo que irracional.
5. O exílio do
Imaginário e a tristeza do desapego:
"O luto da
imagem, se o perco, me angustia; mas, se o consigo, me deixa triste. [...]
Minha tristeza pertence àquela faixa da melancolia em que a perda do ser amado
permanece abstrata. Carência redobrada: não posso sequer investir minha
desgraça, como no tempo em que sofria por estar apaixonado. Nesse tempo, eu
desejava, eu sonhava, eu lutava; diante de mim havia um bem, apenas retardado,
atravessado por contratempos. Agora, não há mais repercussão; tudo está calmo e
é pior. Embora justificado por uma economia - a imagem morre para que eu viva —
o luto amoroso tem sempre um resto: uma palavra volta sem parar: “Que pena!””. (O
exílio do Imaginário, página 104)
Com o tempo, o sujeito percebe a necessidade de desapegar-se
da imagem do ser amado para seguir em frente. Este processo é doloroso, pois
implica abandonar o mundo de fantasia e ilusão que ele havia construído. A
tristeza é uma resposta natural a essa perda, mas também um sinal de que o luto
está progredindo.
6. O Lembrado e a
continuação da vida sem o ser amado:
"Não é que eu me
imagine desaparecendo sem causar pesar: o necrológio é certo: é antes que
através do próprio luto, que não nego, vejo a vida dos outros continuar, sem
mudança; vejo-os perseverar em suas ocupações, em seus passatempos, em seus
problemas, frequentar os mesmos lugares, os mesmos amigos; nada mudaria no
conteúdo de sua existência." (Lembrado?, página 138)
Este fragmento mostra a consciência da irreversibilidade da
perda. O sujeito se dá conta de que a vida dos outros continua, mesmo sem o ser
amado, e que ele também precisa encontrar uma maneira de seguir em frente.
7. O fading como
desvanecimento do outro:
"Como uma miragem
triste o outro se afasta, se transporta ao infinito e eu me consumo
esperando-o." (Fading, página 107)
O fading representa o processo gradual de esquecimento, em
que as memórias do ser amado vão se tornando menos vívidas e dolorosas. A
imagem do outro se "desvanece" como um "espelhismo triste",
mas ao mesmo tempo permite ao sujeito seguir em frente.
8. A lembrança e a
intrusão do imperfeito:
"Um dia me
lembrarei da cena, me perderei no passado. O quadro amoroso, assim como o
primeiro rapto, não é feito senão de descompassos: é a anamnese, que não
encontra senão traços insignificantes, de modo nenhum dramáticos, como se eu me
lembrasse do próprio tempo e somente do tempo..." (Lembrança, página 140)
O sujeito revive momentos felizes do passado, mas a
consciência da perda se faz presente através do uso do tempo verbal imperfeito.
A lembrança se torna bittersweet, ao mesmo tempo doce e amarga.
9. A exílio do
imaginário:
"No imaginário
amoroso nada distingue a provocação mais fútil de um fato realmente
consequente; o tempo é comovido para a frente (vêm-me à cabeça predições
catastróficas) e para trás (lembro com pavor os 'precedentes'): a partir de uma
pequenez todo um discurso da lembrança e da morte se eleva e me
arrasta..." (O exílio, página 106)
Este fragmento mostra a consciência da irreversibilidade da
perda. O sujeito se dá conta de que a vida dos outros continua, mesmo sem o ser
amado, e que ele também precisa encontrar uma maneira de seguir em frente.
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