quarta-feira, 17 de abril de 2024

Fragmentos sobre a perda do ser amado - em "Fragmentos de um discurso amoroso"

 Fragmentos sobre a perda do ser amado em "Fragmentos de um discurso amoroso", traduzidos para o português

1. O abismo como perda da imagem:

"... a imagem do outro — à qual eu aderia, da qual eu vivia — já não existe; ora é uma catástrofe (fútil) que parece afastá-la para sempre, ora é uma felicidade excessiva que me faz reencontrá-la; seja como for, separado ou dissolvido, não sou acolhido em lugar nenhum; em frente, nem eu, nem tu, nem a morte, ninguém mais a quem falar." (Me abismo, sucumbo, página 9)

Este fragmento representa o impacto inicial da perda, a sensação de vazio e desorientação. O sujeito se sente "separado ou dissolvido", sem lugar no mundo, pois a imagem do ser amado, que era fonte de apego e sentido, desapareceu. Essa experiência de "abismo" é análoga ao choque e à negação, etapas iniciais do luto.

2. A angústia como temor de um luto já ocorrido:

"Seria necessário que alguém pudesse me dizer: 'Não fique mais angustiado, você já o(a) perdeu.'" (Agony, página 22)

Aqui, a angústia é entendida como a antecipação da dor da perda, um medo constante de que a ausência se torne definitiva. É como se o sujeito já tivesse experimentado a perda em um nível profundo, e a angústia fosse a manifestação desse trauma original.

3. O ausente e a manipulação do luto:

"A ausência se converte numa prática ativa, numa azáfama (que me impede de fazer qualquer outra coisa); nela se cria uma ficção de múltiplas funções (dúvidas, censuras, desejos, melancolias). Esta encenação linguística afasta a morte do outro..." (O ausente, página 27)

Neste trecho, vemos o sujeito tentando lidar com a ausência através da linguagem e da imaginação. Ele cria "ficções" e "encenações linguísticas" para manter o ser amado vivo em sua mente, adiando o confronto com a realidade da perda. Essa "manipulação do luto" pode ser vista como uma forma de barganha, uma tentativa de controlar a dor.

4. A espera e a alucinação do regresso:

"... no café, toda pessoa que entra, se possui a menor semelhança de silhueta, é deste modo, num primeiro movimento, reconhecida. E muito tempo depois que a relação amorosa se aquietou conservo o hábito de alucinar o ser que amei... sou um mutilado que continua a sentir dor na perna amputada. " (A espera, página 94)

A espera se torna uma obsessão, e o sujeito passa a ver o ser amado em todos os lugares, mesmo sabendo que ele não está presente. A alucinação é um mecanismo de defesa que permite ao sujeito manter a esperança do retorno, mesmo que irracional.

5. O exílio do Imaginário e a tristeza do desapego:

"O luto da imagem, se o perco, me angustia; mas, se o consigo, me deixa triste. [...] Minha tristeza pertence àquela faixa da melancolia em que a perda do ser amado permanece abstrata. Carência redobrada: não posso sequer investir minha desgraça, como no tempo em que sofria por estar apaixonado. Nesse tempo, eu desejava, eu sonhava, eu lutava; diante de mim havia um bem, apenas retardado, atravessado por contratempos. Agora, não há mais repercussão; tudo está calmo e é pior. Embora justificado por uma economia - a imagem morre para que eu viva — o luto amoroso tem sempre um resto: uma palavra volta sem parar: “Que pena!””. (O exílio do Imaginário, página 104)

Com o tempo, o sujeito percebe a necessidade de desapegar-se da imagem do ser amado para seguir em frente. Este processo é doloroso, pois implica abandonar o mundo de fantasia e ilusão que ele havia construído. A tristeza é uma resposta natural a essa perda, mas também um sinal de que o luto está progredindo.

6. O Lembrado e a continuação da vida sem o ser amado:

"Não é que eu me imagine desaparecendo sem causar pesar: o necrológio é certo: é antes que através do próprio luto, que não nego, vejo a vida dos outros continuar, sem mudança; vejo-os perseverar em suas ocupações, em seus passatempos, em seus problemas, frequentar os mesmos lugares, os mesmos amigos; nada mudaria no conteúdo de sua existência." (Lembrado?, página 138)

Este fragmento mostra a consciência da irreversibilidade da perda. O sujeito se dá conta de que a vida dos outros continua, mesmo sem o ser amado, e que ele também precisa encontrar uma maneira de seguir em frente.

7. O fading como desvanecimento do outro:

"Como uma miragem triste o outro se afasta, se transporta ao infinito e eu me consumo esperando-o." (Fading, página 107)

O fading representa o processo gradual de esquecimento, em que as memórias do ser amado vão se tornando menos vívidas e dolorosas. A imagem do outro se "desvanece" como um "espelhismo triste", mas ao mesmo tempo permite ao sujeito seguir em frente.

8. A lembrança e a intrusão do imperfeito:

"Um dia me lembrarei da cena, me perderei no passado. O quadro amoroso, assim como o primeiro rapto, não é feito senão de descompassos: é a anamnese, que não encontra senão traços insignificantes, de modo nenhum dramáticos, como se eu me lembrasse do próprio tempo e somente do tempo..." (Lembrança, página 140)

O sujeito revive momentos felizes do passado, mas a consciência da perda se faz presente através do uso do tempo verbal imperfeito. A lembrança se torna bittersweet, ao mesmo tempo doce e amarga.

9. A exílio do imaginário:

"No imaginário amoroso nada distingue a provocação mais fútil de um fato realmente consequente; o tempo é comovido para a frente (vêm-me à cabeça predições catastróficas) e para trás (lembro com pavor os 'precedentes'): a partir de uma pequenez todo um discurso da lembrança e da morte se eleva e me arrasta..." (O exílio, página 106)

Este fragmento mostra a consciência da irreversibilidade da perda. O sujeito se dá conta de que a vida dos outros continua, mesmo sem o ser amado, e que ele também precisa encontrar uma maneira de seguir em frente.

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