ENTENDENDO A HEREDITARIEDADE DO TDAH

Paulo Mattos

Quando se diz que uma determinada doença tem forte influência da hereditariedade, isto não significa que encontraremos muitos casos na família de cada um dos pacientes com o diagnóstico. Apenas quando avaliamos centenas ou milhares de pacientes, vemos que existe uma proporção maior de familiares acometidos do que o esperado matematicamente. Quando falamos em risco genético, portanto, estamos falando em probabilidade matemática. No caso da esquizofrenia, um histórico familiar positivo é considerado o maior fator de risco para desenvolver a doença. Mas nem todo paciente com esquizofrenia tem um parente com a mesma doença.

Além disso, existe uma interação entre nossos genes e o ambiente (envolvendo desde nossa alimentação, nosso grau de escolaridade e nível socioeconômico, até eventos traumáticos). Chama-se a isto de GxE (gene X environment) e sabemos que não é restrito a transtornos psiquiátricos: por exemplo, o câncer de intestino sofre influência genética bastante significativa, mas o aparecimento dele parece depender do estilo de vida e da alimentação do indivíduo. O estudo sobre a complexa relação GxE é chamado de epigenética. O ambiente pode modificar o “comportamento” de nosso DNA, nosso código genético, “liberando” ou “bloqueando” certos genes. Hoje em dia sabemos que muitos eventos adversos durante a infância, como maus tratos e negligência, por exemplos, têm impacto negativo no desenvolvimento do nosso cérebro; estes efeitos são modulados, entretanto, pela nossa genética (aumentando ou diminuindo as chances de isto acontecer).

No caso do TDAH, não existe um único gene, como ocorre em algumas doenças (por exemplo, no Huntington, uma doença neurológica, existe um gene específico que os indivíduos sem a doença não possuem no seu DNA). Nos estudos de transtornos psiquiátricos, como o TDAH, via de regra não falamos em “gene” no sentido tradicional, mas sim em “variantes” de genes que todos nós temos (common genetic variants). Explicando melhor: os indivíduos na população têm um “gene A” com a seguinte composição “X-Y-Z-2”, por exemplo. Alguns poucos indivíduos tem a composição “X-Y-W-2” do mesmo “gene A” (com o W no lugar do Z), ou seja, existe uma variação ou variante daquele gene, mas todos têm o mesmo “gene A”. Apenas muito raramente existem genes específicos (e não variantes) que se associam com casos esporádicos de TDAH. Como nos demais mamíferos, os nossos genes estão sempre localizados nos mesmos locais no nosso DNA e cada gene, por sua vez, tem vários locais diferentes dentro dele. Atualmente, os geneticistas têm um “mapa” destes locais. Sabemos que existem locais especificamente relacionados ao sistema gastrointestinal, ao sistema nervoso, aos rins, etc.

Nos estudos investigando a genética do TDAH, descobrimos que existem diversas variantes associadas ao transtorno, não existe uma “única” variante; o mesmo ocorre com outros transtornos com forte influência genética, como o Autismo, a Esquizofrenia e o Transtorno de Humor Bipolar. Por isso, nos estudos de genética usamos o chamado “escore poligênico” (poli=muitos) que diz respeito ao número total de variantes que o indivíduo possui; quanto maior o escore, maior o número de variantes associadas ao TDAH. Estas variantes podem ocorrer em diferentes locais de um ou mais genes. Por isso, os artigos sobre genética também falam em “loci” (“locais”, em latim), isto é, onde estão localizadas estas variantes no “mapa” do nosso DNA.

O maior estudo sobre genética do TDAH, com mais de 20.000 pacientes com TDAH e 35.000 controles (indivíduos sem TDAH, para fins de comparação), publicado em dezembro de 2018 mostra que existem 12 loci, envolvendo diferentes genes, relacionados com o TDAH. Todos estes loci estão relacionados ao sistema nervoso central. Mais ainda, este loci também estão relacionados com outros transtornos psiquiátricos (que sabemos ocorrer com maior frequência no TDAH), como a depressão. Estes loci também estão relacionados com problemas clínicos, como a obesidade, que também é mais frequente no TDAH. Uma das importantes conclusões deste estudo foi que a análise genética só foi capaz de explicar uma parte pequena da hereditariedade do TDAH, que é bem alta como veremos adiante (o mesmo ocorre com os demais transtornos psiquiátricos mencionados). Isto ocorre porque o risco genético depende da interação com fatores ambientais, como vimos antes, para “resultar” num quadro de TDAH. Mais ainda, é muito provável que existam outros genes que estejam regulando à distância (para mais ou para menos) a ação destas variantes encontradas. Este estudo, o maior até agora sobre genética do TDAH, publicado na revista Nature Genetics, juntamente com o maior estudo sobre alterações neuroanatômicas do TDAH (usando ressonância magnética), publicado em 2017 na revista Lancet, do qual participei, deixam claro: ele não é uma doença inventada.

Nos estudos científicos com a população geral, sabemos que quanto maior o escore poligênico (número calculado de acordo com a análise genética dos pacientes) maior o número de sintomas de TDAH (são 18 sintomas no total). Este achado reforça a ideia de elevada “herdabilidade” no TDAH. Importante: embora este índice seja útil nos estudos sobre genética, ele não tem qualquer utilidade para o diagnóstico na prática clínica, porque ele não é capaz de predizer matematicamente quem tem e quem não tem TDAH. Não existem testes genéticos para o TDAH até o momento (o mesmo ocorre com vários transtornos psiquiátricos e doenças clínicas). Outro aspecto importante: embora existam empresas que vendam kits para determinar qual o melhor medicamento para tratar transtornos neuropsiquiátricos (como depressão, psicose e TDAH), baseando-se na genética do paciente, o seu uso foi oficialmente e fortemente desaconselhado pelo FDA (Food and Drug Administration, órgão regulador americano) em 2018, porque o embasamento científico é quase nenhum. Nós não temos dados suficientes para correlacionar o efeito de medicamentos com nosso perfil genético.

Os estudos científicos sobre o TDAH investigando irmãos gêmeos, crianças adotadas e famílias em diferentes regiões do mundo (em todos os cinco continentes) mostram que a “herdabilidade” do TDAH encontra-se entre 70 e 80%. Estes estudos investigam a presença do diagnóstico nos indivíduos e nos informam sobre a elevada participação genética, mas são diferentes daqueles estudos que investigam diretamente o DNA, descritos anteriormente. Por exemplo, se crianças adotadas têm a mesma proporção de TDAH que sua família biológica, mas não a sua família adotiva, este resultado aponta para o risco genético.

Os estudos de genética demonstram que o TDAH é o extremo de traços encontrados na população em geral, do mesmo modo que o diabetes é o extremo da “quantidade de açúcar” que todos nós temos em algum grau (uns mais, outros menos, outros muito mais). Portanto, poderíamos dizer que não se trata de “ter ou não ter TDAH”, mas simplesmente de “quanto” TDAH cada um de nós tem (o mesmo raciocínio vale para diabetes, hipertensão arterial, glaucoma, colesterol, etc.). Chamamos a isto de uma doença “dimensional”, em oposição às doenças “categoriais” (aquelas em que ou nós “temos” ou “não temos” um certo diagnóstico, como câncer, HIV, etc.).

Ter TDAH significa ter um número maior de sintomas que os demais, algo que se associa a uma série de problemas na vida. E isto está relacionado principalmente, mas não exclusivamente, com nossa genética.

 

Click no link para ler a pesquisa publicada na Revista Cientifica Nature, que identificou os 12 genes envolvidos na hereditariedade do TDAH

https://www.nature.com/articles/s41588-018-0269-7

 https://drive.google.com/file/d/11iJLqchfHdVoRPxugDdA1lmn1mtlpNoe/view?usp=sharing

Escrito por Paulo Mattos – Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Presidente do Conselho Cientifico da ABDA



DSM V


Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade Critérios Diagnósticos A. Um padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade que interfere no funcionamento e no desenvolvimento, conforme caracterizado por (1) e/ou (2): 1. Desatenção: Seis (ou mais) dos seguintes sintomas persistem por pelo menos seis meses em um grau que é inconsistente com o nível do desenvolvimento e têm impacto negativo diretamente nas atividades sociais e acadêmicas/profissionais: Nota: Os sintomas não são apenas uma manifestação de comportamento opositor, desafio, hostilidade ou dificuldade para compreender tarefas ou instruções. Para adolescentes mais velhos e adultos (17 anos ou mais), pelo menos cinco sintomas são necessários. a. Frequentemente não presta atenção em detalhes ou comete erros por descuido em tarefas escolares, no trabalho ou durante outras atividades (p. ex., negligencia ou deixa passar detalhes, o trabalho é impreciso). b. Frequentemente tem dificuldade de manter a atenção em tarefas ou atividades lúdicas (p. ex., dificuldade de manter o foco durante aulas, conversas ou leituras prolongadas). c. Frequentemente parece não escutar quando alguém lhe dirige a palavra diretamente (p. ex., parece estar com a cabeça longe, mesmo na ausência de qualquer distração óbvia). d. Frequentemente não segue instruções até o fim e não consegue terminar trabalhos escolares, tarefas ou deveres no local de trabalho (p. ex., começa as tarefas, mas rapidamente perde o foco e facilmente perde o rumo). e. Frequentemente tem dificuldade para organizar tarefas e atividades (p. ex., dificuldade em gerenciar tarefas sequenciais; dificuldade em manter materiais e objetos pessoais em ordem; trabalho desorganizado e desleixado; mau gerenciamento do tempo; dificuldade em cumprir prazos). f. Frequentemente evita, não gosta ou reluta em se envolver em tarefas que exijam esforço mental prolongado (p. ex., trabalhos escolares ou lições de casa; para adolescentes mais velhos e adultos, preparo de relatórios, preenchimento de formulários, revisão de trabalhos longos). g. Frequentemente perde coisas necessárias para tarefas ou atividades (p. ex., materiais escolares, lápis, livros, instrumentos, carteiras, chaves, documentos, óculos, celular). h. Com frequência é facilmente distraído por estímulos externos (para adolescentes mais velhos e adultos, pode incluir pensamentos não relacionados). i. Com frequência é esquecido em relação a atividades cotidianas (p. ex., realizar tarefas, obrigações; para adolescentes mais velhos e adultos, retornar ligações, pagar contas, manter horários agendados). 60 Transtornos do Neurodesenvolvimento 2. Hiperatividade e impulsividade: Seis (ou mais) dos seguintes sintomas persistem por pelo menos seis meses em um grau que é inconsistente com o nível do desenvolvimento e têm impacto negativo diretamente nas atividades sociais e acadêmicas/profissionais: Nota: Os sintomas não são apenas uma manifestação de comportamento opositor, desafio, hostilidade ou dificuldade para compreender tarefas ou instruções. Para adolescentes mais velhos e adultos (17 anos ou mais), pelo menos cinco sintomas são necessários. a. Frequentemente remexe ou batuca as mãos ou os pés ou se contorce na cadeira. b. Frequentemente levanta da cadeira em situações em que se espera que permaneça sentado (p. ex., sai do seu lugar em sala de aula, no escritório ou em outro local de trabalho ou em outras situações que exijam que se permaneça em um mesmo lugar). c. Frequentemente corre ou sobe nas coisas em situações em que isso é inapropriado. (Nota: Em adolescentes ou adultos, pode se limitar a sensações de inquietude.) d. Com frequência é incapaz de brincar ou se envolver em atividades de lazer calmamente. e. Com frequência “não para”, agindo como se estivesse “com o motor ligado” (p. ex., não consegue ou se sente desconfortável em ficar parado por muito tempo, como em restaurantes, reuniões; outros podem ver o indivíduo como inquieto ou difícil de acompanhar). f. Frequentemente fala demais. g. Frequentemente deixa escapar uma resposta antes que a pergunta tenha sido concluída (p. ex., termina frases dos outros, não consegue aguardar a vez de falar). h. Frequentemente tem dificuldade para esperar a sua vez (p. ex., aguardar em uma fila). i. Frequentemente interrompe ou se intromete (p. ex., mete-se nas conversas, jogos ou atividades; pode começar a usar as coisas de outras pessoas sem pedir ou receber permissão; para adolescentes e adultos, pode intrometer-se em ou assumir o controle sobre o que outros estão fazendo). B. Vários sintomas de desatenção ou hiperatividade-impulsividade estavam presentes antes dos 12 anos de idade. C. Vários sintomas de desatenção ou hiperatividade-impulsividade estão presentes em dois ou mais ambientes (p. ex., em casa, na escola, no trabalho; com amigos ou parentes; em outras atividades). D. Há evidências claras de que os sintomas interferem no funcionamento social, acadêmico ou profissional ou de que reduzem sua qualidade. E. Os sintomas não ocorrem exclusivamente durante o curso de esquizofrenia ou outro transtorno psicótico e não são mais bem explicados por outro transtorno mental (p. ex., transtorno do humor, transtorno de ansiedade, transtorno dissociativo, transtorno da personalidade, intoxicação ou abstinência de substância). Determinar o subtipo: 314.01 (F90.2) Apresentação combinada: Se tanto o Critério A1 (desatenção) quanto o Critério A2 (hiperatividade-impulsividade) são preenchidos nos últimos 6 meses. 314.00 (F90.0) Apresentação predominantemente desatenta: Se o Critério A1 (desatenção) é preenchido, mas o Critério A2 (hiperatividade-impulsividade) não é preenchido nos últimos 6 meses. 314.01 (F90.1) Apresentação predominantemente hiperativa/impulsiva: Se o Critério A2 (hiperatividade-impulsividade) é preenchido, e o Critério A1 (desatenção) não é preenchido nos últimos 6 meses. Especificar se: Em remissão parcial: Quando todos os critérios foram preenchidos no passado, nem todos os critérios foram preenchidos nos últimos 6 meses, e os sintomas ainda resultam em prejuízo no funcionamento social, acadêmico ou profissional. Especificar a gravidade atual: Leve: Poucos sintomas, se algum, estão presentes além daqueles necessários para fazer o diagnóstico, e os sintomas resultam em não mais do que pequenos prejuízos no funcionamento social ou profissional. Moderada: Sintomas ou prejuízo funcional entre “leve” e “grave” estão presentes. Grave: Muitos sintomas além daqueles necessários para fazer o diagnóstico estão presentes, ou vários sintomas particularmente graves estão presentes, ou os sintomas podem resultar em prejuízo acentuado no funcionamento social ou profissional. Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade 61 Características Diagnósticas A característica essencial do transtorno de déficit de atenção/hiperatividade é um padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade que interfere no funcionamento ou no desenvolvimento. A desatenção manifesta-se comportamentalmente no TDAH como divagação em tarefas, falta de persistência, dificuldade de manter o foco e desorganização – e não constitui consequência de desafio ou falta de compreensão. A hiperatividade refere-se a atividade motora excessiva (como uma criança que corre por tudo) quando não apropriado ou remexer, batucar ou conversar em excesso. Nos adultos, a hiperatividade pode se manifestar como inquietude extrema ou esgotamento dos outros com sua atividade. A impulsividade refere-se a ações precipitadas que ocorrem no momento sem premeditação e com elevado potencial para dano à pessoa (p. ex., atravessar uma rua sem olhar). A impulsividade pode ser reflexo de um desejo de recompensas imediatas ou de incapacidade de postergar a gratificação. Comportamentos impulsivos podem se manifestar com intromissão social (p. ex., interromper os outros em excesso) e/ou tomada de decisões importantes sem considerações acerca das consequências no longo prazo (p. ex., assumir um emprego sem informações adequadas). O TDAH começa na infância. A exigência de que vários sintomas estejam presentes antes dos 12 anos de idade exprime a importância de uma apresentação clínica substancial durante a infância. Ao mesmo tempo, uma idade de início mais precoce não é especificada devido a dificuldades para se estabelecer retrospectivamente um início na infância. As lembranças dos adultos sobre sintomas na infância tendem a não ser confiáveis, sendo benéfico obter informações complementares. Manifestações do transtorno devem estar presentes em mais de um ambiente (p. ex., em casa e na escola, no trabalho). A confirmação de sintomas substanciais em vários ambientes não costuma ser feita com precisão sem uma consulta a informantes que tenham visto o indivíduo em tais ambientes. É comum os sintomas variarem conforme o contexto em um determinado ambiente. Sinais do transtorno podem ser mínimos ou ausentes quando o indivíduo está recebendo recompensas frequentes por comportamento apropriado, está sob supervisão, está em uma situação nova, está envolvido em atividades especialmente interessantes, recebe estímulos externos consistentes (p. ex., através de telas eletrônicas) ou está interagindo em situações individualizadas (p. ex., em um consultório). Características Associadas que Apoiam o Diagnóstico Atrasos leves no desenvolvimento linguístico, motor ou social não são específicos do TDAH, embora costumem ser comórbidos. As características associadas podem incluir baixa tolerância a frustração, irritabilidade ou labilidade do humor. Mesmo na ausência de um transtorno específico da aprendizagem, o desempenho acadêmico ou profissional costuma estar prejudicado. Comportamento desatento está associado a vários processos cognitivos subjacentes, e indivíduos com TDAH podem exibir problemas cognitivos em testes de atenção, função executiva ou memória, embora esses testes não sejam suficientemente sensíveis ou específicos para servir como índices diagnósticos. No início da vida adulta, o TDAH está associado a risco aumentado de tentativa de suicídio, principalmente quando em comorbidade com transtornos do humor, da conduta ou por uso de substância. Não há marcador biológico que seja diagnóstico de TDAH. Como grupo, na comparação com pares, crianças com TDAH apresentam eletrencefalogramas com aumento de ondas lentas, volume encefálico total reduzido na ressonância magnética e, possivelmente, atraso na maturação cortical no sentido póstero-anterior, embora esses achados não sejam diagnósticos. Nos raros casos em que há uma causa genética conhecida (p. ex., síndrome do X-frágil, síndrome da deleção 22q11), a apresentação do TDAH ainda deve ser diagnosticada. Prevalência Levantamentos populacionais sugerem que o TDAH ocorre na maioria das culturas em cerca de 5% das crianças e 2,5% dos adultos. 62 Transtornos do Neurodesenvolvimento Desenvolvimento e Curso Muitos pais observam pela primeira vez uma atividade motora excessiva quando a criança começa a andar, mas é difícil distinguir os sintomas do comportamento normal, que é altamente variável, antes dos 4 anos de idade. O TDAH costuma ser identificado com mais frequência durante os anos do ensino fundamental, com a desatenção ficando mais saliente e prejudicial. O transtorno fica relativamente estável nos anos iniciais da adolescência, mas alguns indivíduos têm piora no curso, com o desenvolvimento de comportamentos antissociais. Na maioria das pessoas com TDAH, sintomas de hiperatividade motora ficam menos claros na adolescência e na vida adulta, embora persistam dificuldades com planejamento, inquietude, desatenção e impulsividade. Uma proporção substancial de crianças com TDAH permanece relativamente prejudicada até a vida adulta. Na pré-escola, a principal manifestação é a hiperatividade. A desatenção fica mais proeminente nos anos do ensino fundamental. Na adolescência, sinais de hiperatividade (p. ex., correr e subir nas coisas) são menos comuns, podendo limitar-se a comportamento mais irrequieto ou sensação interna de nervosismo, inquietude ou impaciência. Na vida adulta, além da desatenção e da inquietude, a impulsividade pode permanecer problemática, mesmo quando ocorreu redução da hiperatividade. Fatores de Risco e Prognóstico Temperamentais. O TDAH está associado a níveis menores de inibição comportamental, de controle à base de esforço ou de contenção, a afetividade negativa e/ou maior busca por novidades. Esses traços predispõem algumas crianças ao TDAH, embora não sejam específicos do transtorno. Ambientais. Muito baixo peso ao nascer (menos de 1.500 gramas) confere um risco 2 a 3 vezes maior para TDAH, embora a maioria das crianças com baixo peso ao nascer não desenvolva transtorno. Embora o TDAH esteja correlacionado com tabagismo na gestação, parte dessa associação reflete um risco genético comum. Uma minoria de casos pode estar relacionada a reações a aspectos da dieta. Pode haver história de abuso infantil, negligência, múltiplos lares adotivos, exposição a neurotoxina (p. ex., chumbo), infecções (p. ex., encefalite) ou exposição ao álcool no útero. Exposição a toxinas ambientais foi correlacionada com TDAH subsequente, embora não se saiba se tais associações são causais. Genéticos e fisiológicos. O TDAH é frequente em parentes biológicos de primeiro grau com o transtorno. A herdabilidade do TDAH é substancial. Enquanto genes específicos foram correlacionados com o transtorno, eles não constituem fatores causais necessários ou suficientes. Deficiências visuais e auditivas, anormalidades metabólicas, transtornos do sono, deficiências nutricionais e epilepsia devem ser considerados influências possíveis sobre sintomas de TDAH. O TDAH não está associado a características físicas específicas, ainda que taxas de anomalias físicas menores (p. ex., hipertelorismo, palato bastante arqueado, baixa implantação de orelhas) possam ser relativamente aumentadas. Atrasos motores sutis e outros sinais neurológicos leves podem ocorrer. (Notar que falta de jeito e atrasos motores comórbidos devem ser codificados em separado [p. ex., transtorno do desenvolvimento da coordenação].) Modificadores do curso. Padrões de interação familiar no começo da infância provavelmente não causam TDAH, embora possam influenciar seu curso ou contribuir para o desenvolvimento secundário de problemas de conduta. Questões Diagnósticas Relativas à Cultura Diferenças regionais nas taxas de prevalência do TDAH parecem principalmente atribuíveis a práticas diagnósticas e metodológicas diferentes. Entretanto, pode haver, ainda, variações culturais em termos de atitudes ou interpretações acerca do comportamento infantil. As taxas de identificação clínica nos Estados Unidos para populações afro-americanas e latinas tendem a ser mais baixas do que para populações brancas. As pontuações de sintomas por informantes podem ser influenciadas pelo grupo cultural da criança e do informante, sugerindo que práticas culturalmente apropriadas são relevantes na avaliação do TDAH. Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade 63 Questões Diagnósticas Relativas ao Gênero O TDAH é mais frequente no sexo masculino do que no feminino na população em geral, com uma proporção de cerca de 2:1 nas crianças e de 1,6:1 nos adultos. Há maior probabilidade de pessoas do sexo feminino se apresentarem primariamente com características de desatenção na comparação com as do sexo masculino. Consequências Funcionais do Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade O TDAH está associado a desempenho escolar e sucesso acadêmico reduzidos, rejeição social e, nos adultos, a piores desempenho, sucesso e assiduidade no campo profissional e a maior probabilidade de desemprego, além de altos níveis de conflito interpessoal. Crianças com TDAH apresentam uma probabilidade significativamente maior do que seus pares para desenvolver transtorno da conduta na adolescência e transtorno da personalidade antissocial na idade adulta, aumentando, assim, a probabilidade de transtornos por uso de substâncias e prisão. O risco subsequente para transtornos por uso posterior de substâncias é alto, especialmente quando se desenvolve transtorno da conduta ou transtorno da personalidade antissocial. Indivíduos com TDAH são mais propensos a sofrer lesões do que seus colegas. Acidentes e violações de trânsito são mais frequentes em condutores com o transtorno. Pode haver probabilidade aumentada de obesidade entre indivíduos com TDAH. Autodeterminação variável ou inadequada a tarefas que exijam esforço prolongado frequentemente é interpretada pelos outros como preguiça, irresponsabilidade ou falta de cooperação. As relações familiares podem se caracterizar por discórdia e interações negativas. As relações com os pares costumam ser conturbadas devido a rejeição por parte daqueles, negligência ou provocações em relação ao indivíduo com TDAH. Em média, pessoas com o transtorno alcançam escolaridade menor, menos sucesso profissional e escores intelectuais reduzidos na comparação com seus pares, embora exista grande variabilidade. Em sua forma grave, o transtorno é marcadamente prejudicial, afetando a adaptação social, familiar e escolar/profissional. Déficits acadêmicos, problemas escolares e negligência pelos colegas tendem a estar principalmente associados a sintomas elevados de desatenção, ao passo que rejeição por colegas e, em menor grau, lesões acidentais são mais proeminentes com sintomas acentuados de hiperatividade ou impulsividade. Diagnóstico Diferencial Transtorno de oposição desafiante. Indivíduos com transtorno de oposição desafiante podem resistir a tarefas profissionais ou escolares que exijam autodeterminação porque resistem a se conformar às exigências dos outros. Seu comportamento caracteriza-se por negatividade, hostilidade e desafio. Tais sintomas devem ser diferenciados de aversão à escola ou a tarefas de alta exigência mental causadas por dificuldade em manter um esforço mental prolongado, esquecimento de orientações e impulsividade que caracteriza os indivíduos com TDAH. Um complicador do diagnóstico diferencial é o fato de que alguns indivíduos com TDAH podem desenvolver atitudes de oposição secundárias em relação a tais tarefas e, assim, desvalorizar sua importância. Transtorno explosivo intermitente. O TDAH e o transtorno explosivo intermitente compartilham níveis elevados de comportamento impulsivo. Entretanto, indivíduos com o transtorno explosivo intermitente apresentam agressividade importante dirigida aos outros, o que não é característico do TDAH, e não têm problemas em manter a atenção como se vê no TDAH. Além disso, o transtorno explosivo intermitente é raro na infância. O transtorno explosivo intermitente pode ser diagnosticado na presença de TDAH. Outros transtornos do neurodesenvolvimento. A atividade motora aumentada que pode ocorrer no TDAH deve ser diferenciada do comportamento motor repetitivo que caracteriza o transtorno do movimento estereotipado e alguns casos de transtorno do espectro autista. No transtorno do movimento estereotipado, o comportamento motor costuma ser fixo e repetitivo (p. ex., balançar o corpo, morder a si mesmo), enquanto a inquietude e a agitação no TDAH cos- 64 Transtornos do Neurodesenvolvimento tumam ser generalizadas e não caracterizadas por movimentos estereotipados repetitivos. No transtorno de Tourette, tiques múltiplos e frequentes podem ser confundidos com a inquietude generalizada do TDAH. Pode haver necessidade de observação prolongada para que seja feita a distinção entre inquietude e ataques de múltiplos tiques. Transtorno específico da aprendizagem. Crianças com um transtorno específico da aprendizagem podem parecer desatentas devido a frustração, falta de interesse ou capacidade limitada. A desatenção, no entanto, em pessoas com um transtorno específico da aprendizagem, mas sem TDAH, não acarreta prejuízos fora dos trabalhos acadêmicos. Deficiência intelectual (transtorno do desenvolvimento intelectual). Sintomas de TDAH são comuns entre crianças colocadas em ambientes acadêmicos inadequados à sua capacidade intelectual. Nesses casos, os sintomas não são evidentes durante tarefas não acadêmicas. Um diagnóstico de TDAH na deficiência intelectual exige que desatenção ou hiperatividade sejam excessivas para a idade mental. Transtorno do espectro autista. Indivíduos com TDAH e aqueles com transtorno do espectro autista exibem desatenção, disfunção social e comportamento de difícil manejo. A disfunção social e a rejeição pelos pares encontradas em pessoas com TDAH devem ser diferenciadas da falta de envolvimento social, do isolamento e da indiferença a pistas de comunicação faciais e de tonalidade encontrados em indivíduos com transtorno do espectro autista. Crianças com transtorno do espectro autista podem ter ataques de raiva devido a incapacidade de tolerar mudanças no curso dos eventos esperado por elas. Em contraste, crianças com TDAH podem se comportar mal ou ter um ataque de raiva durante alguma transição importante devido a impulsividade ou autocontrole insatisfatório. Transtorno de apego reativo. Crianças com transtorno de apego reativo podem apresentar desinibição social, mas não o conjunto completo de sintomas de TDAH, exibindo, ainda, outras características, tais como ausência de relações duradouras, que não são características do TDAH. Transtornos de ansiedade. O TDAH compartilha sintomas de desatenção com transtornos de ansiedade. Indivíduos com TDAH são desatentos por causa de sua atração por estímulos externos, atividades novas ou predileção por atividades agradáveis. Isso é diferente da desatenção por preocupação e ruminação encontrada nos transtornos de ansiedade. Agitação pode ser encontrada em transtornos de ansiedade. No TDAH, todavia, o sintoma não está associado a preocupação e ruminação. Transtornos depressivos. Indivíduos com transtornos depressivos podem se apresentar com incapacidade de se concentrar. Entretanto, a dificuldade de concentração nos transtornos do humor fica proeminente apenas durante um episódio depressivo. Transtorno bipolar. Indivíduos com transtorno bipolar podem ter aumento da atividade, dificuldade de concentração e aumento na impulsividade. Essas características, entretanto, são episódicas, ocorrendo por vários dias de cada vez. No transtorno bipolar, aumento na impulsividade ou desatenção é acompanhado por humor elevado, grandiosidade e outras características bipolares específicas. Crianças com TDAH podem apresentar mudanças importantes de humor em um mesmo dia; essa labilidade é diferente de um episódio maníaco, que deve durar quatro dias ou mais para ser um indicador clínico de transtorno bipolar, mesmo em crianças. O transtorno bipolar é raro em pré- -adolescentes, mesmo quando irritabilidade grave e raiva são proeminentes, ao passo que o TDAH é comum entre crianças e adolescentes que apresentam raiva e irritabilidade excessivas. Transtorno disruptivo da desregulação do humor. O transtorno disruptivo da desregulação do humor é caracterizado por irritabilidade pervasiva e por intolerância a frustração, mas impulsividade e atenção desorganizada não são aspectos essenciais. A maioria das crianças e dos adolescentes com o transtorno, no entanto, tem sintomas que também preenchem critérios para TDAH, que deve ser diagnosticado em separado. Transtorno por uso de substância. Diferenciar o TDAH dos transtornos por uso de substância pode ser um problema se a primeira apresentação dos sintomas do TDAH ocorrer após o início do abuso ou do uso frequente. Evidências claras de TDAH antes do uso problemático de substâncias, obtidas por meio de informantes ou registros prévios, podem ser essenciais para o diagnóstico diferencial. Outro Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade Especificado 65 Transtornos da personalidade. Em adolescentes e adultos, pode ser difícil diferenciar TDAH dos transtornos da personalidade borderline, narcisista e outros transtornos da personalidade. Todos estes tendem a compartilhar características de desorganização, intrusão social, desregulação emocional e desregulação cognitiva. O TDAH, porém, não é caracterizado por medo do abandono, autolesão, ambivalência extrema ou outras características de transtornos da personalidade. Pode haver necessidade de observação prolongada, entrevista com informantes ou história detalhada para distinguir comportamento impulsivo, socialmente intrusivo ou inadequado de comportamento narcisista, agressivo ou dominador para que seja feito esse diagnóstico diferencial. Transtornos psicóticos. O TDAH não é diagnosticado se os sintomas de desatenção e hiperatividade ocorrem exclusivamente durante o curso de um transtorno psicótico. Sintomas de TDAH induzidos por medicamentos. Sintomas de desatenção, hiperatividade ou impulsividade atribuíveis ao uso de medicamentos (p. ex., broncodilatadores, isoniazida, neurolépticos [resultando em acatisia], terapia de reposição para a tireoide) são diagnosticados como transtorno por uso de outra substância (ou substância desconhecida) ou transtorno relacionado a outra substância (ou substância desconhecida não especificada). Transtornos neurocognitivos. Não se sabe se transtorno neurocognitivo maior precoce (demência) e/ou transtorno neurocognitivo leve estão associados ao TDAH, embora possam se apresentar com características clínicas semelhantes. Essas condições são diferenciadas do TDAH por seu início tardio. Comorbidade Em ambientes clínicos, transtornos comórbidos são frequentes em indivíduos cujos sintomas preenchem critérios para TDAH. Na população em geral, transtorno de oposição desafiante é comórbido com TDAH em cerca de metade das crianças com a apresentação combinada e em cerca de um quarto daquelas com a apresentação predominantemente desatenta. Transtorno da conduta é comórbido com TDAH em aproximadamente um quarto das crianças e dos adolescentes com a apresentação combinada, dependendo da idade e do ambiente. A maioria das crianças e dos adolescentes com transtorno disruptivo da desregulação do humor tem sintomas que também preenchem critérios para TDAH; uma porcentagem menor de crianças com TDAH tem sintomas que preenchem critérios para transtorno disruptivo da desregulação do humor. Transtorno específico da aprendizagem comumente é comórbido com TDAH. Transtornos de ansiedade e transtorno depressivo maior ocorrem em uma minoria de indivíduos com TDAH, embora com maior frequência do que na população em geral. Transtorno explosivo intermitente ocorre em uma minoria de adultos com TDAH, embora com taxas acima dos níveis populacionais. Ainda que transtornos por abuso de substância sejam relativamente mais frequentes entre adultos com TDAH na população em geral, estão presentes em apenas uma minoria deles. Nos adultos, transtorno da personalidade antissocial e outros transtornos da personalidade podem ser comórbidos com TDAH. Outros transtornos que podem ser comórbidos com o TDAH incluem o transtorno obsessivo-compulsivo, os transtornos de tique e o transtorno do espectro autista. Outro Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade Especificado 314.01 (F90.8) Esta categoria aplica-se a apresentações em que sintomas característicos do transtorno de déficit de atenção/hiperatividade que causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo predominam, mas não satisfazem todos os critérios para transtorno de déficit de atenção/hiperatividade ou para qualquer transtorno na classe diagnóstica dos transtornos do neurodesenvolvimento. A categoria outro transtorno de déficit de atenção/hiperatividade especificado é usada em situações em que o clínico opta 66 Transtornos do Neurodesenvolvimento por comunicar a razão específica pela qual a apresentação não satisfaz os critérios para transtorno de déficit de atenção/hiperatividade ou qualquer transtorno do neurodesenvolvimento específico. Isso é feito por meio do registro “outro transtorno de déficit de atenção/hiperatividade especificado”, seguido pela razão específica (p. ex., “com sintomas insuficientes de desatenção”). Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade Não Especificado 314.01 (F90.9) Esta categoria aplica-se a apresentações em que sintomas característicos do transtorno de déficit de atenção/hiperatividade que causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo predominam, mas não satisfazem todos os critérios para transtorno de déficit de atenção/hiperatividade ou para qualquer transtorno na classe diagnóstica de transtornos do neurodesenvolvimento. A categoria transtorno de déficit de atenção/hiperatividade não especificado é usada nas situações em que o clínico opta por não especificar a razão pela qual os critérios para transtorno de déficit de atenção/hiperatividade ou para qualquer transtorno do neurodesenvolvimento específico não são satisfeitos e inclui apresentações para as quais não há informações suficientes para que seja feito um diagnóstico mais específico.