De um peixe a um homem: animismos e
dádivas (uma discussão teórica)
Of fish and men - animisms and gifts (a theoretical
discussion)
Uriel Irigaray Araujo
Edição
electrónica
URL: http://journals.openedition.org/aa/4024
DOI:
10.4000/aa.4024
ISSN:
2357-738X
Editora
Programa de
Pós-Graduação em Antropologia Social (UnB)
Edição
impressa
Data de
publição: 1 dezembro 2019
Paginação:
329-352
ISSN:
0102-4302
Refêrencia
eletrónica
Uriel
Irigaray Araujo, « De um peixe a um homem: animismos e dádivas (uma discussão
teórica) », Anuário Antropológico
[Online], II | 2019, posto online no dia 03 dezembro 2019, consultado no dia 05
dezembro 2019. URL : http://journals.openedition.org/aa/4024 ; DOI : 10.4000/aa.4024
© Anuário
Antropológico
DOI: https://doi.org/10.4000/aa.4024
De um peixe a um homem:
animismos e dádivas (uma
discussão teórica)
Of fish and men - animisms and gifts
(a theoretical discussion)
Uriel Irigaray Araujo
Universidade de Brasília – Brasil
Qual
é o cão, tal é o dono.
Ditado popular
Introdução
A relação entre pessoas e coisas ou o estudo disso é um dos
pilares da antropologia clássica e da
antropologia econômica – já que os primórdios da primeira (Malinowski; Mauss)
fornecem os fundamentos daquilo que viria a ser a segunda. O fio condutor deste trabalho é precisamente tal relação entre pessoas
e coisas e, mais precisamente, a suposta atribuição de agência a
não-humanos – nos regimes de dádiva e também no “animismo”1. Faço um paralelo entre
uma noção de graded personhood
(Sprenger) ou graus de personificação e o que chamo, parafraseando Sprenger, de graded gifthood (ou a natureza não absoluta da dádiva)
para salientar um caráter gradativo, reversível e processual das atribuições de
agência a não-humanos em cosmologias não ocidentais. Essa característica
cosmológica, por sua vez, coaduna-se com
a coexistência e intercontágio de diferentes regimes de troca em um mesmo
sistema econômico (natureza não absoluta dos regimes de troca).
A partir de uma revisão de certa literatura etnográfica
atualizada (sobre animismo e também trabalhos de antropologia econômica sobre
dádivas), por meio de um exercício comparativo de antropologia de gabinete, critico modelos
animistas hard (e seu uso em discursos ambientalistas e neoanimistas) e comparo a atribuição gradual de agência na dádiva aos
animismos. Comparo, assim, animismos amazônicos e do sudeste asiático e Oceania para, a partir da teoria antropológica, repensar o
animismo e a economia de trocas em
termos processuais. Meu objetivo é também conectar uma discussão atualizada
sobre animismo com um debate da antropologia econômica sobre dádiva/troca.
Este trabalho não se baseia em
pesquisa de campo própria, mas em revisão e análise de etnografias
contemporâneas à luz de teorias antropológicas. Tenho consciência das críticas
que frequentemente são feitas por antropólogos a comparações interculturais e das limitações deste tipo
de empreitada (para uma defesa provocativa da pertinência de uma
“antropologia de gabinete”, cf. Willerslev, 2011).
Na primeira parte, argumento em favor do caráter gradual da
dádiva, aproximando o conceito maussiano a etnografias contemporâneas e
aproximo dádiva de animismo (ambos os fenômenos envolvem atribuição de agência
a não-humanos).
Na seção seguinte, comento uma controvérsia sobre animismo (no
contexto australiano) envolvendo principalmente Nicolas Peterson (2011) e
Elizabeth Povinelli (1995). Comparo tal
controvérsia com outra, que se dá a respeito de outro universo etnográfico, a
saber, as críticas que João Barreto (2013) faz ao perspectivismo amazônico. Em
seguida, argumento que uma abordagem processualista e uma noção de animismo gradual, tal como proposta por Guido Sprenger
(2016 e 2016a) e Kaj Arhem (2016) (análoga, argumento, à dádiva), pode lançar
luz sobre tais controvérsias.
Por fim, a partir dessas considerações, esboço uma crítica a
apropriações ambientalistas e neoanimistas do discurso animista.
Busco, assim, aproximar modelos
teóricos antropológicos de atribuição de agência a não-humanos, aproximando,
dessa forma, debates e contextos que inicialmente podem parecer demasiado
distantes. Acredito que tal discussão teórica levante importantes questões
acerca de problemas interpretativos e, inclusive, da questão ética de “levar-se
a sério o nativo”.
1. Sobre pessoas e coisas – caráter gradual da dádiva
Trata-se, no fundo, de
misturas. Misturam-se as almas nas
coisas, misturam-se as coisas nas almas.
Marcel Mauss Ensaio sobre a Dádiva. Parte II
Nas palavras de Dumont, como reitera diversas vezes ao longo de
sua obra Homo Aequalis,
[na ideologia moderna], “as relações entre homens e coisas (…) são primárias,
as relações entre homens – a sociedade – secundárias” (Dumont, 2000, p. 101). A sociedade tradicional ou holista,
por sua vez, em contraste com a individualista moderna, prioriza as relações
entre os homens. Não deixa de ser curioso que Dumont
mencione o hau somente em passant em nota de rodapé e cite Marcel Mauss
muito pouco, uma vez que a relação entre pessoas e coisas é tema central também do Ensaio sobre a dádiva.
A
respeito da diferença entre os dois regimes, escreve Evans-Pritchard:
Os Nuer não vêem o ato de comprar algo de um mercador árabe da
mesma forma como nós vemos o ator de comprar
algo duma loja. Para eles, não se trata
de uma transação impessoal (…). Como o mercador árabe vê a transação de
maneira diferente, mal-entendidos acontecem. Do ponto de vista dos Nuer, o que está envolvido em tal troca é antes uma
relação entre pessoas do que uma relação entre coisas. É antes o mercador que é
“comprado”, ao invés dos bens dele...2 (Evans-Pritchard, 1956, p. 223-224. Ênfases minhas. Tradução minha).
Mauss refere-se, por sua vez, a certas dádivas dos antigos
romanos e germânicos como sendo “coisas, e
coisas animadas” (Mauss, 2003, p.
267. Ênfase minha). Escreve ainda sobre
o potlatch:
Tudo se (...) confunde; as coisas têm uma personalidade (….).
A circulação dos bens acompanha a dos homens, das mulheres e das crianças (…).
No fundo, ela é a mesma. Se coisas são dadas e retribuídas, é porque se dão e
se retribuem “respeitos” — podemos dizer igualmente “cortesias”. Mas é também
porque as pessoas se dão ao dar, e,
se as pessoas se dão, é porque se “devem” – elas e seus bens – aos outros
(Mauss, 2003, p. 263. Ênfases minhas).
Mauss, portanto, identifica a circulação das coisas com a
circulação, nessas sociedades, das pessoas
(MAUSS, 2003, p. 264). Ele ressalta que nas sociedades modernas, distinguem-se
direitos reais e pessoais, “pessoas e coisas” (Mauss, 2003, p. 265) – tal
distinção, contudo, seria inoperante nas sociedades da dádiva, as quais “fundem
pessoas e coisas” (Mauss, 2003, p. 266).
Em nota de rodapé, citando Boas,
Mauss escreve acerca dos Kwakiutl, que eles têm cães por animais domésticos, sendo estes inalienáveis, pois,
afirmam os Kwakiutl, “eles [os cães] são homens, como nós” (Mauss, 2003, p.
256). Aqui, dádiva e animismo parecem tocar-se. Tratarei, mais abaixo, de
animismo, mas o farei relacionando-o
justamente com o tema da dádiva.
Talvez seja, contudo, mais analiticamente fecundo
falar em troca/exchange do que
somente em dádiva ou dom (gift ou le
don).
Na literatura, frequentemente, por
animismo, entende-se uma situação na
qual seres não-humanos também estão
inseridos em um circuito de troca constitutivo da socialidade.
A noção de troca (em inglês, exchange) é fundamental, por exemplo, para a região do sudeste asiático, chamada por Errington (1989) de “o
arquipélago da troca” – inclusive em termos de reprodução das ordens
sociocósmicas: o casamento, por exemplo,
em alguns casos etnográficos, é indissociável de relações de trocas com
ancestrais e espíritos. Entenda-se troca
não só no sentido de reciprocidade, mas no sentido de circulação de itens
(materiais e imateriais) e serviços que criam e mantêm determinadas relações
sociocósmicas (Gregory, 1982; Mauss, 2003).
Algumas dessas dádivas, contudo, podem (re)transformar-se em
mercadorias, assim como mercadorias podem transformar-se em dádivas: as coisas,
afinal, transitam de um regime de troca a outro, a agência a elas atribuída
sendo relacional e contextual – a divisão
entre mercadoria e dádiva, portanto, não é absoluta nem são as duas esferas mutuamente exclusivas
(Brenner, 1998, p. 203): assim, um regime de trocas marcado pela preponderância
da mercadoria, como o capitalismo, pode muito bem “parasitar” elementos de
outros regimes e, assim, fortalecer-se.
No caso javanês, segundo Brenner,
são as mulheres que possuem um papel central
em tal transvaloração, transformando o dinheiro em dádiva, dotada de valor
cultural, e, em seguida, (re)transformando-o em dinheiro (Brenner, 1998, p. 204-5).
Tal caráter processual e gradual da própria dádiva é que chamo de graded gifthood, como veremos. Na Índia,
a comodificação supostamente total do tecido não impediu que se continuasse
atribuindo-se-lhe qualidades das pessoas que o produzem e o negociam – traço
antropomórfico característico da dádiva maussiana (Brenner, 1998, p. 276).
A dinâmica da reprodução social, afinal, é marcada, para Kelly
Silva, pela coexistência mesma de
“regimes de troca”, regimes os quais Silva define sobretudo como categorias analíticas para compreender
uma série de regras, expectativas etc. por meio das quais as pessoas e as
coletividades transacionam bens, direitos sobre pessoas e símbolos de
reconhecimento – para fins de reprodução social. Tais formas de troca seriam a base mesma da
socialidade. Os três tipos ideais de regime de troca (escambo, mercadoria e
dádiva) estariam, cada um, associados a esferas de troca específicas,
porém, juntos compreendendo um sistema econômico unificado – ainda que com
zonas que são informadas por racionalidades específicas (Silva, 2016,
p. 194). A “gradualidade” e “reversibilidade” dos
regimes econômicos, argumento, é o outro lado da moeda da própria gradualidade
da dádiva (e da mercadoria etc.).
Para Sprenger (2016, p. 34), a noção clássica mesma de
totalidade maussiana no que diz respeito à
dádiva não faria sequer sentido se a troca fosse entendida em um sentido
restrito à reciprocidade. Assim, o desequilíbrio na dádiva pode muito bem ser benéfico à integração de tais
totalidades como, por exemplo, nas alianças assimétricas (Lévi-Strauss,
1978). Se o foco levi-straussiano dava-se sobretudo nos aspectos contratuais da dádiva, outras abordagens têm enfatizado a
incerteza (Caillé, 2002; Keane, 1997, p. 82). Esse caráter em aberto, que
leva em conta o risco, dá conta dos
elementos não recíprocos da partilha, permitindo incluí-los na noção de troca
(Sprenger, 2016).
Se a identificação entre objetos e pessoas, nas relações de
troca, é processual e também relativamente
incerta, daí se segue que a capacidade mesma dos objetos de representarem
econômica e semioticamente as pessoas requer esforço e reforço constante
(Keane, 1997, p. 91). O lócus dos poderes cosmológicos e sociais da troca não se esgota nem no trabalho, no uso,
valor de mercado e nem mesmo em um laço a
priori entre pessoa possuidora e
objeto possuído (como no hau maussiano): o potencial de agência
expansiva (e, acrescento, gradual), para além de nos objetos per se, está nos repetidos eventos nos
quais e por meio dos quais são eles transacionados (Keane, 1997, p. 92).
Assim, para Keane, em Anakalang, os objetos-dádiva possuem duplo
caráter e autonomia ambígua – comparando tal
cosmovisão ao modelo de Simmel (Keane, 1997, p. 92), Keane ressalta que a
capacidade que os objetos possuem de ser uma “extensão” do self só pode existir
na medida em que o objeto não seja totalmente identificado com o sujeito. Postos em circulação, os objetos-dádiva têm
o potencial de estender a identidade e agência dos sujeitos que os
transacionam, porém também podem
perder-se. Assim, a capacidade de ter agência e identificação com os
humanos não é inerente aos objetos, mas antes requer interações e atividade
humana para acontecer – inclusive discurso ritual (Keane, 1997, p. 93).
Poder-se-ia ver no discurso ritual e em
outras atividades, um veículo para a força vital dos sujeitos que pode
“contaminar” os objetos. Argumento abaixo que um modelo processualista e gradual pode lançar luz sobre atribuições de agência a
não-humanos não só nas dádivas mas também nos animismos.
2. Sobre animismos e animistas – o caráter gradual da agência
O autêntico animista é o antropólogo.
Viveiros de Castro
O
nativo relativo
Sprenger, comparando o papel dos animais nos animismos da
Amazônia e do sudeste asiático, mostra que a
caça amazônica e a pecuária asiática estão correlacionadas a diferentes formas de relacionar-se com seres não-humanos.
Ele rejeita o determinismo materialista de concluir que diferenças de
cosmologia derivam de diferenças nos
meios de subsistência (Sprenger, 2016, p. 34-35), porém igualmente rejeita
um determinismo cultural, admitindo que as qualidades materiais dos seres não-humanos envolvidos podem dar forma às
relações com eles (Latour, 2000).
Mauro Almeida, por sua vez,
defende que toda economia política da produção e da predação corresponde a uma ontologia (e a cada ontologia
correspondem “cânones pragmáticos” e da “razão”) e que, finalmente, entre
as ontologias há conflitos (Almeida,
2013, p. 14).
Tratar de cosmovisões e animismos,
portanto, é tratar de uma ontologia econômica, a qual informa uma economia
política. Assim, cumpre notar que se a teoria econômica no geral e mesmo a antropologia econômica separam a produção
da distribuição e troca, associando a primeira a relações entre pessoas e
coisas (recursos) e a segunda a uma relação entre pessoas, em muitas
sociedades que praticam formas de
subsistência, no sudeste asiático, a suposta produção é entendida (nas suas premissas
ontológicas), como uma forma de troca ou circulação de dádivas: mesmo a coleta
que alguns agricultores praticam para suplementar sua dieta envolve adentrar os
domínios de espíritos perigosos, aos quais é preciso oferecer sacrifícios,
entrando-se, dessa forma, em
relacionamentos de trocas com eles (envolvendo tabaco, libações etc.)
(Sprenger, 2016, p. 35). Mais do que isso: para Sprenger (2016), do ponto de vista da troca, humanos e
não-humanos estão todos envolvidos em um mesmo cosmos social unificado –
internamente diferenciado.
Recapitulando: os diferentes regimes de troca coexistem em um
mesmo sistema econômico unificado, circulação e produção não podem ser
plenamente separadas e humanos e não-humanos
participam de um sociocosmos também unificado – é a partir dessas considerações
que tratarei de animismo.
Note-se que o fato mesmo do
animismo ou personificação de coisas (“graded”
que seja, como veremos) predominar
entre sociedades clânicas
(Gregory, 1982, p. 71) coaduna-se bem com a proposição de C. Gregory de que, em
sociedades clânicas de dádiva, os métodos de consumo predominam, métodos esses
que são definidos por Gregory como
precisamente métodos de personificação. Assim, para Gregory, “things are
anthropomorphised in a gift economy” (1982, p. 45). Os exemplos etnográficos citados por Gregory não parecem
desautorizar a abordagem gradualista e processualista proposta (originalmente
ao sudeste asiático apenas) por Sprenger e Arhem (vide mais abaixo).
Ora, essa personificação das coisas entendida como a
atribuição de uma agência que é, como veremos, uma
espécie de contaminação da própria agência humana, a qual impregnaria coisas,
tem algum paralelo com a consumptive
production de Marx:
A personificação das coisas em uma economia de dádiva não é
simplesmente uma tentativa de superar o problema do tempo no processo de
reprodução de pessoas; é um aspecto da
predominância dos métodos de consumo que são, como tem sido enfatizado constantemente, um processo de
personificação: o acto de consumo converte as coisas em pessoas3 (Gregory, 1982, p. 90-91. Tradução minha).
Em outras palavras, a atribuição gradativa de agência ou a
personificação (o “animismo”, digamos) é
parte do processo constitutivo da circulação da dádiva – o que enseja pensar em
uma economia política (ou uma antropologia econômica) da cosmologia. Esse tipo de abordagem parece ter o potencial de minimizar
o sentido da distinção mesma sobre a qual se fundamenta certo “cisma
etnológico” brasileiro (Silva, 2011) – não haveria necessariamente separação
clara entre cosmologia e economia e, assim, entre uma etnologia “clássica” e
uma “contatualista”.
Voltando à questão central da
atribuição de agência, há, frequentemente, na literatura, uma ambiguidade no uso do termo animista para qualificar determinadas cosmovisões ou comunidades: ele pode referir-se tanto à suposta
atribuição de sentiência e consciência à paisagem no geral (animismo hard, digamos) quanto também pode
referir-se a atribuições de agência mais nuançadas, que chamarei de animismo soft.
2.1 Pedras e peixes –
personificando a paisagem?
O etnólogo australiano Nicolas
Peterson (2011, p. 167) ressalta como tem se tornado comum, nos últimos anos, o
uso da expressão “the sentient landscape” por antropólogos e cita como exemplo
Povinelli (1993, p. 39; 1995, p. 507), bem como Biddle (2007), Poirier (2005) e
outros. Ele correlaciona essa tendência com um novo interesse em animismo que
vem desde os anos 1990 e relaciona essa tendência geral, por sua vez, a um interesse, fora da etnologia, nas relações
entre humanos e objetos materiais em estudos da ciência etc., como em Latour
(2005) e outros (Peterson, 2011, p. 167).
Algo análogo ocorre em etnografias recentes sobre a região
amazônica, boa parte das quais se dedicam a
ilustrar a “creativity and agency of the other-than-human world”, bem como as
ricas comunicações que ocorreriam entre “human and other-than-human social
persons” (Rival, 2014, p. 99). “Animismo”, em tais trabalhos, seria a
capacidade de “estimar as plantas, espíritos, objetos e animais como pessoas outras não-humanas, isso é, como seres
volitivos, sencientes, sensíveis, conscientes e inteligentes”4 (ibid. Tradução minha.).
Descola5 (que, aliás, usa, como
ele próprio salienta, o termo “animismo” em artigos dos anos 1990, antes ainda do famoso artigo de Bird-David)
(Campos & Daher, 2013, s.p.), por sua vez, concebe o animismo como uma
“ontologia” cujo sujeito atribui aos objetos e não-humanos uma “interioridade”
similar à sua própria, embora com
fisicalidade diferente (Descola, 2005, p. 220).
Peterson menciona os “new animists” como um outro grupo, “fora
da antropologia”, também interessado em animismo – ao longo de seu artigo
(2011), Peterson parece, algumas vezes,
usar o termo antropologia como sinônimo apenas de etnologia. Para ele, os new
animists fariam uso extensivo de literatura etnográfica referente à
Austrália central, influenciados também pela “deep ecology” e outros movimentos. A já citada Povinelli, note-se,
menciona, em entrevista, os new animists (Coleman & Yusoff, 2014).
A ideia central do supracitado
artigo de Peterson (2011) é a de que, na cosmologia aborígene australiana, não
são (todas) as pedras que são sentientes, ao contrário do que Povinelli e os
neoanimistas afirmam, mas sim os espíritos que habitam (algumas) pedras. O cerne da controvérsia está, de fato, em uma hermenêutica
dos dados etnográficos. Vale a pena debruçarmo-nos brevemente sobre tal
controvérsia.
Povinelli, em seu artigo de 1995 (“Do Rocks listen?”), relata uma situação de
atrito interétnico e choque de
cosmovisões envolvendo um grupo de mulheres aborígenes da comunidade aborígene de Belyuen (Austrália) em um protesto
relacionado a reivindicações territoriais:
Ficamos ouvindo enquanto Betty
Billawag descrevia para o comissário de questões relacionadas à terra e sua
comitiva como um importante local de Sonhar próximo, a Pedra do Velho, escutava os aborígenes e podia sentir o cheiro do
suor deles quando eles passavam por ali (…). Em um dado momento, Marjorie
Bilbil virou-se para mim e disse: “Ele não acredita, hein, Beth?“ E eu respondi
a ela: “Não, acho que não (…). Não é que ele ache que ela está mentindo. Ele
simplesmente não consegue mesmo crer que a Pedra do Velho seja capaz de ouvir
algo”6 (Povinelli, 1995,
p. 505. Ênfase minha. Tradução minha).
A antropóloga, no trabalho acima
citado, empenha-se em mostrar e descrever, através
de exemplos etnográficos, uma ontologia nativa. Segundo tal modelo, afirma Povinelli,
pedras, animais, bem como qualquer outro ente da paisagem podem ter agência,
intencionalidade etc. e tais premissas ontológicas modificariam a forma como noções tais como trabalho e lazer são
interpretadas e significadas pelos aborígenes.
Mais do que isso: Povinelli, em
artigo de 2016 (“Can rocks die?“), parte de um esforço que poderia ser
descrito como o esforço de levar a sério
o nativo – no caso, no que diz respeito à noção de que pedras, rochas etc.
possam ter algum tipo de vida e
sentiência. Ou seja, busca entrar no
mérito da “verity” da afirmação
aborígene de que pedras escutam, morrem etc. Parte dessa ideia para, então,
dialogando com diferentes biólogos, filósofos da ciência etc., esboçar uma
aproximação entre as ciências geológicas e as biológicas, propondo um
sofisticado conceito de vida ou de orgânico como algo que não se caracteriza
por uma absoluta ruptura em relação ao inorgânico ou geológico.
Para Povinelli, a biopolítica ocidental (relacionada à política
para com as indústrias predatórias) seria
precisamente a manutenção de uma divisão entre o vivo e o não vivo como algo necessário e formador para a diferença e para os
mercados. A geo-ontologia povinelliana, por sua vez, seria a recusa a essa
divisão mesma; seria, enfim, a negação da biopolítica ocidental que separa
vivo de não vivo. Ou, poderíamos dizer,
pessoas de coisas.
O trabalho de Povinelli, dialoga, enfim, com os new animists (tanto indígenas quanto não indígenas), em sua empreitada de mobilizar uma
ontologia não ocidental para fundamentar
mudanças de atitudes e mudanças políticas em um sentido “ambientalista”
(vide também Hogan, 2014. In: Harvey, 2014, p. 17-26).
Voltando a Peterson, o ponto central de sua crítica a
determinadas interpretações de animismo, diz
respeito à questão hermenêutica da ambiguidade e metáfora.
Ele cita, por exemplo, Biddle, quando ela escreve:
Na verdade, eu não estou dizendo
outra coisa senão algo que já tem sido afirmado incontáveis vezes pelos povos
aborígenes, bem como por antropólogos (…): [que] a terra é senciente, é viva, sensível para aqueles que conseguem
admitir isso e sabem7 (Biddle, 2007, p. 12 -13 apud Peterson, 2011, p. 168. Ênfase
minha. Tradução minha).
Peterson
problematiza o sentido dessa e de outras afirmações:
Nenhum esclarecimento é dado
quanto ao que se quer dizer quando se fala em uma terra que seja “senciente,
viva ou sensível” (…) nem se essa visão implica em uma flora e fauna animadas
(…) ou se isso deveria ser entendido simplesmente como uma licença literária
(…). Povinelli é mais clara sobre a situação entre os povos da Península Cox
(…) quando ela escreve: “O cotidiano de suas ações-trabalhos é inscrito em um reino supraumano de uma paisagem senciente
povoada com ancestrais e seres totêmicos” (Povinelli, 1993, p. 133). Ou
seja, quando ela se refere a uma paisagem senciente, aquilo a que ela está se
referindo é antes uma paisagem povoada, segundo o que esses povos acreditam,
por espíritos ancestrais com formas humanóides que vivem em meio às rochas e
árvores. No entanto, em outros trechos, a frase parece adquirir implicações
diferentes (1993:150)8 (Peterson, 2011, p. 168. Negritos meus. Tradução minha).
Continua Peterson, alegando que
tal ambiguidade seria comum em muitos dos escritos alvos de sua crítica (literatura
antropológica e de outras áreas que dialoga com os new animists) (Peterson, 2011, p. 168). Em seu artigo,
ele comenta a controvérsia envolvendo a antropóloga Nancy Munn – que tem
extenso trabalho de campo na Austrália, salienta ele – e as críticas feitas por
Bird-David e Harvey – que, por sua vez, não possuem campo nessa área – ao
trabalho de Munn, principalmente seu artigo de 1970.
Segundo Munn, existiria, para os
aborígenes Warlpiri, um processo de metamorfose, por meio do qual, alguns
ancestrais transformar-se-iam em aspectos da paisagem, o que é bem diferente da
paisagem mesma ser, por si só, sentiente (Munn, 1970, p. 142-143 apud Peterson, 2011, p. 171).
Ressalto ainda que a conclusão de Peterson é de que:
(…) a evidência de que,
normativamente, os Warlpiri, ou qualquer outro povo aborígene do deserto, acredite (ou tenha acreditado no passado) que
o mundo seja cheio de pessoas, apenas algumas delas sendo pessoas humanas ou
ainda [a evidência de que] plantas e árvores sejam dotadas de sentidos, [essa evidência] está faltando9 (2011, p. 177. Tradução minha).
Para ele, escrever sobre a visão
que os Warlpiri têm da paisagem do deserto como sendo uma visão de um deserto
“sentiente” pode levar a uma confusão entre a percepção que esse povo tem da
paisagem como um lugar repleto de espíritos de ancestrais humanos – e também
outros seres espirituais humanóides (“human-like”) – e a concepção de que eles teriam
crenças animistas sobre plantas,
animais etc. Tal concepção não daria conta da complexidade da ontologia
“altamente intelectual” e “ricamente metafórica” dos Warlpiri e a reduziria a
uma ontologia “relacional” demasiado literal (Peterson, 2011, p. 177). Peterson
problematiza, assim, o conceito mesmo de
animismo:
Como Durkheim já percebera há muito tempo, a prática aborígene
não faz do animal totêmico algo sagrado –
apenas objetos como a mesa sagrada e outras coisas que representam os
ancestrais totêmicos, que estão no centro da vida religiosa. Seu conceito de força vital tem mais em comum com a ideia de
semente do que com um mundo repleto de pessoas-sementes. A deep ecology e
outras visões anti-modernistas parecem exercer alguma influência aqui e até que
tenhamos alguma base substancial de evidência para a existência de visões
animistas entre os Warlpiri, ou outros aborígenes, o que sabemos por enquanto aponta na direção de um tipo de religião
voltada aos ancestrais. Quanto ao novo animismo (quando ele não é
simplesmente o velho animismo), parece que seja ou produto de uma substancial
confusão empática (ainda que bem intencionada), no contexto australiano, ou ainda uma licença literária confusa10 (Peterson, 2011, p. 177. Ênfase minha. Tradução minha).
Cito esse trabalho acima porque
suas conclusões harmonizam-se com recentes
etnografias de antropologia econômica, como veremos. A crítica de Peterson também
ecoa outra controvérsia, que se dá em um universo etnográfico bem distinto:
aquela entre o perspectivismo (de Viveiros de Castro e outros antropólogos, exposto em vários trabalhos)11, e a ideia central – de que “peixe não é gente” – defendida por
João Barreto (2013) – o cerne do trabalho de Barreto é a ideia de que, na
cosmologia Tukano, peixe não seria humano (e dotado de cultura etc.), mas antes
seriam humanos apenas os espíritos que habitam (alguns) peixes.
Embora haja diferenças importantes
de local de enunciação (Barreto é antropólogo brasileiro e indígena Tukano),
entendo haver certas semelhanças estruturais na crítica que Barreto faz ao
perspectivismo e na crítica que Peterson faz ao que chama de “neoanimismo“ de
Povinelli e outros autores. Escreve Barreto:
A complexa imbricação entre wai-mahsã, seu nome identitário e o
nome do bicho que vive em sua habitação, sob sua
proteção, e que lhe empresta o nome, é a responsável pela confusão generalizada
entre os Tukano (...). Confusão essa que resulta
em pensar os animais como possuidores de atributos humanos e sociais. Uma coisa
é o peixe enquanto bicho, a outra é o wai-mahsã dono do lugar (onde vive o
peixe) que recebe o nome de peixe, o que o leva a ser comumente
identificado como o próprio peixe. Enfim, não se pode confundir o wai-mahsã com
seu animal epônimo (Barreto, 2013, p. 70. Ênfase minha).
O modelo de Barreto, como veremos mais adiante, guarda paralelos
com a ontologia da caipora e com animismos do sudeste asiático (além de alguns
modelos de animismo australiano), o que
sugere ser necessária alguma reflexão – a qual tento desenvolver ao longo deste.
A advertência de Peterson acima
citada quanto ao risco de “literalismo“ (Peterson, 2011, p. 177) ecoa, ainda,
as críticas de Barreto a Viveiros de Castro, quando Barreto escreve:
(…) assinalo aqui duas importantes
lições: A primeira é que não podemos dar
fim à questão apenas com a “pergunta inicial” (peixe é gente?), sob o risco de
termos um entendimento muito parcial da complexa relação entre humanos e
animais, e chegando a uma conclusão confusa sobre ela. A segunda lição é
que não se deve tomar a narrativa mítica
(kihti) como palavra final explicativa da relação entre humanos e não humanos,
mas sim identificar seus diferentes componentes, neste caso, wetidarero e
wai-bahsekaro, duas maneiras inconfundíveis de se conceber a relação com os componentes
do espaço (Barreto, 2013, p. 25. Ênfases minhas).
Mauro Almeida inicia um de seus artigos (2013)
com a ideia de que toda economia política parte de pressupostos ontológicos ao
presumir a existência de entes. Relembrando o trecho d’O Capital, de Karl Marx, no qual o pensador alemão pondera que o
peixe – já que temos falado de peixes – encontrado na água é meio de produção
antes de ser pescado – visto que “até hoje ninguém descobriu a arte de apanhar
peixes em águas onde eles não se encontrem” (Almeida, 2013, p. 8), Almeida afirma:
Analogamente, poderíamos dizer que
nenhum caçador consegue matar a presa numa mata onde ela não exista. Pretendo
argumentar que essa afirmação se aplica tanto à existência pressuposta – que
tomo aqui como equivalente à preexistência suposta – de peixes no rio, de
Caipora pelo caçador caboclo, e da carrying
capacity por parte do técnico em
manejo da vida selvagem (Almeida, 2013, p. 8).
É bem verdade que o próprio
Viveiros de Castro coloca a questão de que “o que é preciso saber é justamente
o que não se sabe — a saber, o que os índios estão dizendo, quando dizem que os
[porcos selvagens] pecaris são humanos” (2002, p. 135). Meu objetivo aqui foi
também levar a sério tal admoestação de Viveiros de Castro sobre o que dizem os
Warlpiri e o que dizem os Tukano – segundo o que dizem os antropólogos e,
assim, refletir sobre o caráter heurístico das teorias.
A concepção de animismo segundo a qual na
cosmologia animista tudo possui um espírito é, portanto, possivelmente, equivocada:
se existe uma atribuição de agência etc.
a não-humanos, tal atribuição é altamente seletiva e condicional (Sprenger, 2016a,
p. 73).
2.2
Do sopro vital ao espírito – a gradualidade da personificação
De volta ao sudeste
asiático, Sprenger parte da presença dos não-humanos nas redes de troca na
região para abordar o papel dos animais na caça e no sacrifício. A noção de troca é fundamental para compreender o sudeste
asiático – lá, a troca tem papel importante na reprodução das ordens
sociocósmicas; a troca matrimonial, por
exemplo, não se dissocia de trocas com ancestrais e espíritos. Não venerar tais
ancestrais seria o mesmo que não se casar: o próprio fluxo da vida característico
do animismo local, para Sprenger, é gerado a partir de tais relações de parentesco
(Sprenger, 2016, p. 33).
Como a troca pressupõe atores
diferentes, o próprio ato de fazer trocas (to
exchange) cria a diferença, fazendo
das assimetrias e alteridades a base da vida social (Sprenger, 2016, p. 33-34).
Para Sprenger, o animismo de caça
(principalmente amazônico), que tem sido o
principal foco dos mencionados new
animists, enfatiza as relações entre
caçador e presa, contexto no qual humanos tiram a vida de animais e os
animais, por sua vez (ou espíritos deles), tiram vidas humanas – a morte e a
doença de seres humanos são assim interpretadas como contrapredação ou
contrapartilha. Já nas sociedades agriculturalistas do sudeste asiático, que
criam animais domésticos e sacrificam-nos, entende-se que há espíritos que
tentam tomar vidas humanas e, então, dá-se-lhes, no lugar de humanos, animais domésticos em sacrifício.
No caso ameríndio, animais apareceriam como humanos pois,
segundo Viveiros de Castro e outros, veem-se uns aos outros como humanos
(Viveiros de Castro, 1996); já no contexto do sudeste asiático, as vítimas
sacrificiais animais igualam-se aos
humanos enquanto podem tomar seus lugares no confronto com os espíritos. Essa
hierarquia implícita (entre humanos e animais) estaria ausente no contexto
amazônico (Sprenger, 2016, p. 34). Veremos que o animismo do sudeste asiático se aproxima mais do animismo amazônico se,
para este último, basearmo-nos nos modelos dos críticos do perspectivismo,
dos quais tratei mais nas páginas anteriores.
Existe certa ambiguidade em alguns
conceitos do sudeste asiático, que podem designar
ora forças vitais impessoais (life-forces), ora entidades espirituais personificadas
ou “pessoas”, a depender do contexto (Sprenger, 2016, p. 37). De fato, não há
um abismo entre essa força vital impessoal que anima humanos e animais e o
espírito personalizado (que, no caso humano, sobrevive após a morte). A
natureza processual de tais forças não
contradiz as formas estabilizadas (e personificadas!) que elas podem
assumir – em certas cosmologias há complementariedade entre os elementos
“animistas” e os “totêmicos” (Sprenger, 2016, p. 37-38).
É a partir daqui que Sprenger
desenvolve seu argumento (2016, p. 39) sobre uma personificação gradual (“graded
personhood”). Nesse modelo, a
possibilidade de acessar, com nossos sentidos, seres não-humanos, suas
fronteiras, concretude etc. são antes uma questão relacional do que
essencial:
(…) os vários aspectos ou
componentes da pessoa [personhood] são constituídos pela troca e
circulação entre humanos e não-humanos (…). A palavra ‘aspecto’ (talvez de
forma melhor do que ‘componente’) descreve a constituição da pessoa do sudeste
asiático, visto que sugere vários lados de uma pessoa, como faces de um
cristal, as quais adquirem seu ser porque são direcionadas a algo além da
pessoa – um relacionamento que cria o respectivo aspecto. Como Sillander (…)
observa (…), o conceito de pessoa corresponde a essa multiplicidade de
relações. Seres humanos, assim, aparecem
como hipóstases temporárias de ciclos de reprodução que ultrapassam em duração
o curso da vida humana12
(Sprenger, 2016, p. 38. Ênfase
minha. Tradução minha).
Rituais funerários frequentemente
enfatizam a fragmentação das pessoas falecidas
por meio de trocas. Em um grupo de Sumba, por exemplo, o morto decompõe-se
em um nome, em água (que se tornará chuva) e em força vital dispersa e impessoal (Sprenger, 2016, p. 39). Em
diferentes cosmologias não ocidentais, afinal, o indivíduo humano é formado
pela combinação de diferentes elementos, substâncias, forças vitais etc.
que viajam o espaço cósmico e apenas temporariamente cristalizam-se na forma
mais estável de um indivíduo humano – para, após sua morte, dispersarem-se novamente (Segato, 2005, p.
234-290).
Acredito que não é demasiado far-fetched comparar essas forças vitais com o hau e com a “personalidade” que anima os objetos-dádiva. Com base
na discussão até agora levada a cabo, argumento que a atribuição de agência a
não-humanos, seja no contexto do “animismo” ou da “dádiva”, é um processo
gradual e relacional e não necessariamente
uma atribuição essencial: as coisas e animais imbuem-se de uma “personalidade”
na medida em que estão em relação com os humanos ou enredados em redes ou
circuitos de trocas ou sacrifícios com eles – mas não necessariamente apenas na forma clássica da dádiva.
Da mesma forma que a
personificação é um processo que ocorre em graus (graded personhood),
poder-se-ia propor que a transformação de coisas em dádivas é também processual
– graded gifthood, digamos.
Contudo, acrescento, a transmissão de energia vital, em
diferentes cosmovisões, não necessariamente se limita a transações envolvendo dádiva e troca, mas ela pode
permear inclusive a comunicação, como, por exemplo, no axé que a própria fala irradia no caso do candomblé (Santos, 1977,
p. 47-49, 88-89 e 211), a comensalidade,
o intercurso sexual e até mesmo a transação de mercadorias (estaria aí seu
potencial de tornar-se dádiva, a depender dos níveis de força vital presente;
se a dádiva não é absoluta, tampouco o é a mercadoria.
Ademais, a força vital não advém somente da ação humana, mas
poderia vir da terra, essa grande fonte
de fertilidade – de modo que o regime proposto por Ferguson da partilha (share) (2015, p. 51) também poderia participar dessa
cosmovisão de forças vitais, já que, segundo Almeida, a cada economia
política corresponde uma ontologia (Almeida, 2013, p. 14): as riquezas da terra
(por vezes identificada com a nação em
contextos modernos) possuem a fecundidade ou força vital desta, e os humanos
que pertencem a essa terra também participam dessa força.
Citando Best, Sahlins nota que não
só humanos possuem hau e mauri,
mas também animais, florestas e
a terra. Assim, o hau da floresta seria sua própria “fecundidade”, no dizer de
Sahlins, assim como o hau da dádiva é seu “produto material” (Sahlins, 1972, p.
168).
Essa abordagem aproximaria o que Sahlins chama de “animismo“ e
“animatismo“, pondo-os ambos num continuum (o próprio Sahlins ressalta
ser virtualmente impossível distinguir wairua, alma imortal pessoal, de Hau, corroborando o modelo de Sprenger)
(Sahlins, 1972, p. 166).
Voltando ao sudeste asiático, existem, nessa região, narrativas
sobre humanos que se casam com espíritos
(Sprenger, 2016, p. 39). Trata-se de uma cosmologia contínua, na qual o reino
dos humanos e o dos espíritos estão ligados, sem que haja abismo separando-os. Assim, mesmo vizinhos humanos estrangeiros podem
ser considerados espíritos, dispostos em uma espécie de transição gradual do
não-humano ao humano: agricultores, por exemplo, consideram os
caçadores-coletores como estando mais próximos do reino espiritual
(Sprenger, 2016, p. 39). O contato interétnico, portanto, também é uma questão
cosmológica – tanto quanto econômica.
Essa gradualidade (da coisa à dádiva, do não humano ao humano)
também abrange materialidade. Existem
processos de ação humana por meio dos quais formas sensíveis são dadas aos espíritos (Sprenger, 2016, p. 40):
corpos de argila etc. são confeccionados e esses materiais imbuem-se eles
mesmos e confundem-se com o espírito – ou com as forças vitais que ali se
concentrarão gradativamente cristalizando-se em uma entidade espiritual dotada
de agência (para, após o término do rito ou da dádiva, dissolverem-se
novamente). Tais processos, que a antropologia evolucionista conceituaria como
“fetichismo“, requerem, portanto, manutenção, nisso assemelhando-se ao caráter
processual da própria dádiva (Keane, 1997, p. 93).
Voltando ao tema da agência e perspectiva, para Sprenger, os
Rmmet das terras altas de Laos atribuiriam aos espíritos uma perspectiva (de
forma análoga aos animais ameríndios) –
entre os Rmmet, os animais têm, afinal, posição subalterna, diferentemente do
que aconteceria com os animais na Amazônia no modelo perspectivista (Sprenger,
2016a, p. 76). Escreve Sprenger:
Eu não me deparei com a ideia de
que animais de caça tenham uma perspectiva
ou habitem um espaço social percebido por eles de forma similar à forma como
humanos percebem o seu próprio espaço social. Existe uma senhora dos animais chamado yaa gemeai, “Avó Viúva”. Ela cuida dos
animais da floresta – a palavra cheo é usada tanto para tomar conta de animais
domésticos quanto para criar os filhos – e é ela quem os disponibiliza para os
caçadores, liberando-os13 (Sprenger, 2016a, p. 79. Ênfase minha. Tradução minha).
Assim, a noção supostamente central no animismo amazônico de
animais humanizados está ausente no animismo do sudeste asiático, segundo Kaj
Arhem:
Animais selvagens são apenas isso: animais, categoricamente
diferentes dos humanos. Eles constituem
uma categoria ontológica distinta (…), pertencendo a um domínio cosmológico
separado – a floresta (…). No entanto, eles são animais com um dono – o Mestre
Animal (…). Tal noção aponta para outra diferença significativa em comparação com a noção amazônica correspondente: o
relacionamento típico, no sudeste asiático, entre o Mestre Animal e seus
animais protegidos é moldado pelo relacionamento entre o dono humano de um
rebanho [ou de uma criação de animais] e o seu rebanho. Do ponto de vista do
Mestre Animal, os animais são o “rebanho” dele. Em outras palavras, a relação entre
o Animal Mestre os animais materiais é aqui traduzida ao idioma de
“dono-rebanho”, de acordo com o que poderia ser chamado de um paradigma da
domesticação14 (Arhem, 2016, p. 282. Ênfase minha. Tradução minha).
Essa noção de senhor dos animais (lord ou master) guarda um paralelo com o que Barreto descreve – um paralelo
também poderia ser feito com a caipora, que “cria bichos da mata e os oferece
para caçadores” (Almeida, 2013, p. 18).
Nos modelos de Sprenger,
Arhem e outros, a caça é parte de um sistema de troca dominado pela ideia de sacrifício, sistema no qual o espírito
guardião dos animais e destinatário dos
sacrifícios é plenamente personificado e dotado de uma perspectiva: de seu
ponto de vista, os humanos aparecem sob a forma de búfalos ou presas, por
exemplo (e os animais selvagens lhe aparecem como seus animais domésticos).
O sacrifício de animal doméstico feito a esse espírito é uma
dádiva (Arhem, 2016, p. 282), que
carrega consigo a qualidade do doador –
Se algumas ideologias
não-ocidentais concebem as pessoas como sendo algo que só pode emergir a partir
das relações delas, como têm argumentado melanesistas (…), então os objetos de
dádiva que compartilham algumas de suas relações ganham qualidades de pessoa [personhood] também15 (Sprenger, 2016a, p. 84. Tradução minha).
Nesse dégradé de objetificação/humanização, o preparo da carne dos animais de
caça reveste-se de tabus tanto na Amazônia quanto no
Sudeste Asiático: as bençãos do xamã da
Amazônia, por exemplo, des-subjetificam o alimento. No mesmo espírito,
dá-se a crítica de Igor José Machado ao perspectivismo: defendendo a validade transcultural da dicotomia
natureza-cultura, Machado relaciona a natureza ao objeto não subjetivável.
Lembrando que o próprio Viveiros de Castro afirma que o perspectivismo
“raramente se aplica em extensão a todos os animais” (Viveiros de Castro, 2002, p. 353 apud
Machado, 2006, p. 405), Machado escreve:
(…) se os pontos de vista são
perspectivos, então aquilo que é objetivável para uns é subjetivável para
outros (…) virtualmente, tudo é subjetivável (…). [mas isso] deixa de lado o
fato incontornável de que cada ponto de vista divide o mundo em objeto e
sujeito (…) [e] uma parte do mundo [sempre] continuará inerte. Se a apreensão do mundo é construída apenas a
partir de um ponto de vista, mesmo que se possa alternar entre pontos de
vistas distintos, como faz o xamã, é possível afirmar que sempre existe um
mundo objetivo (Machado, 2006, p. 406-407).
Para Machado, “a subjetivação de
todo o mundo seria mesmo impossível, pois não haveria o que comer“ (p. 405).
Será a “Natureza” justamente o resíduo comestível?
A crítica aos modelos animistas hard, portanto, dialoga com uma possível crítica aos modelos
descolasianos, no sentido de abrir espaço para uma defesa da pertinência
analítica da distinção entre natureza e cultura.
3. Pessoas, coisas e predação – limitações das
apropriações ambientalistas
Hath not a Jew eyes? Hath
not a Jew hands, organs, dimensions,
senses, affections,
passions? (...) If you prick us,
do we not bleed?
If you tickle us, do we
not laugh? If you poison us, do we
not die?16
Shylock
(Shakespeare, The Merchant of
Venice,
Ato III, Cena I)
A partir das considerações feitas acima sobre o caráter gradual
dos processos de humanização e de objetificação no sociocosmos de uma economia
política, é possível problematizar o
alcance da instrumentalização política ambientalista que se possa fazer de
cosmovisões “animistas”, por exemplo, face às lógicas predatórias das sociedades modernas com economias de
mercado.
Assim, por exemplo, botos serem
reconhecidos como entes “humanos-encantados” por determinadas populações não
impede que sejam mortos de maneira cruel pelas mesmas, assim como o
reconhecimento de qualidades humanas em certos animais da mata não impede que
se faça guerra contra eles – ou contra “índios bravos” não cristãos (Almeida,
2013, p. 13).
São bem conhecidas as
considerações de diversos antropólogos acerca do etnocentrismo dos povos
“primitivos”, incluindo o alcance de suas definições de “humano”. Lévi-Strauss
já comentava (1978, p. 86-87) que, em dados contextos etnológicos, o inhame
pode ser humano – brancos, não.
Cosmologias que supostamente
atribuem agência a animais, recursos naturais etc. não necessariamente são incompatíveis com formas de predação, pois
há um continuum de objetificação
e humanização que é negociado pelos atores de acordo com diferentes necessidades, conforme têm, de maneiras diversas,
argumentado diferentes pesquisadores que se debruçam sobre questões
relacionadas, por exemplo, a especismo
(Farage, 2013).
Considerações finais
Algumas teorizações (Arhem; Sprenger) feitas a partir de um
campo do sudeste asiático possuem
potencial para certa generalização – uma noção de personificação gradual pode refinar o modelo
perspectivista. Modelos animistas soft (Peterson; Barreto) possuem, assim,
potencialmente maior fecundidade analítica, bem como abordagens
processualistas e graduais – tanto do animismo quanto da dádiva.
Se não é absoluta a agência supostamente atribuída a não-humanos
e não é absoluta a dádiva, também não há mercadoria absoluta, e regimes
diferentes de troca (escambo, mercadoria,
dádiva, partilha) não só podem coexistir, como podem transitar e transformar-se uns nos outros, em um continuum reversível.
Instrumentalizações neoanimistas e perspectivistas de
cosmologias não ocidentais para fins políticos ambientalistas ou de animal rights possuem limitações, uma vez que aquilo que é objetivável parece coincidir com uma noção mesma
(residual) de natureza ou mesmo de alteridade relacional.
A noção de forças vitais
impessoais que podem se cristalizar em entidades pessoais mais ou menos
estáveis (assim como os elementos que compõem a pessoa podem se dispersar na morte, em algumas cosmologias) permite lançar luz
em diversos temas clássicos da antropologia, como a dádiva, o animismo, entre
outros.
Evidentemente, tais hipóteses têm
caráter bastante preliminar e são oferecidas, neste exercício de antropologia de gabinete, no espírito de “further studies are required“.
Recebido: 15/01/2019
Aprovado: 02/08/2019
Uriel Irigaray Araujo
é mestre em literatura pelo Programa de Pós-Graduação em Literatura da Universidade de Brasília e atualmente
doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da
Universidade de Brasília. Já publicou artigos sobre teoria antropológica, com
ênfase em questões epistêmicas. Atualmente, desenvolve pesquisa sobre etnia e
identificação na Rússia e suas fronteiras.
Orcid ID: 0000-0002-2682-3393. Contato: urielaraujo@hotmail.com
Notas
1.
Gostaria de agradecer às
professoras Antonádia Borges e Kelly Silva por importantes insights e
indicações bibliográficas (este artigo deriva, em grande parte, de trabalhos de
conclusão de curso para
disciplinas por elas ministradas). Agradeço, igualmente, aos colegas
pós-graduandos Roberto Sobral e Miguel dos Santos Filho e aos dois pareceristas
anônimos do Anuário Antropológico, por suas
críticas e sugestões.
2.
“Nuer
do not regard purchase from an Arab merchant in the way in which we regard
purchase from a shop. It is not to them an impersonal transaction (…). As an
Arab merchant regards the transaction
rather differently misunderstandings arise. In the Nuer way of looking at the
matter what is involved in an exchange of this kind is a relation between
persons rather than between things. It is the merchant who is ‘bought’
rather than the goods...” (Evans-Pritchard, 1956, p. 223224. Ênfases minhas).
3.
“The
personification of things in a gift economy is not simply an attempt to
overcome the time problem in the process
of reproducing people, it is an aspect of the predominance of the methods of
consumption which are, as has been constantly stressed, a personification process:
the act of consumption converts things into people“ (Gregory, 1982, p.
90-91).
4.
(…)
“appraise plants, spirits, objects and animals as other-than-human persons,
that is, as volitional, sentient, sensitive, aware and intelligent beings“
(Rival, 2014, p. 99).
5.
Sendo
meu foco o “neoanimismo“ e o perspectivismo, por razões de espaço, não me
alongarei sobre as ontologias de
Descola.
6.
We
stood listening to Betty Billawag describing to the land commissioner and his
entourage how an important Dreaming site
nearby, Old Man Rock, listened to and smelled the sweat of Aboriginal
people as they passed by (…). At one-point Marjorie Bilbil turned to me and
said, “He can’t believe, eh, Beth?” And I answered, “No, I don’t think so (…).
He doesn’t think she is lying. He just can’t believe himself that that Old Man
Rock listens” (Povinelli, 1995, p. 505. Ênfase minha.)
7.
“In
effect I am not saying anything that hasn’t been said countless times by
Aboriginal people, as well as
anthropologists (...): that country is sentient, alive, sensuous to those who
can recognise it and know it” (Biddle, 2007, p. 12-13 apud Peterson, 2011,
p. 168. Ênfase minha).
8.
“No
illumination is provided as to what is meant by country being ‘sentient, alive,
or sensuous’ (…) nor whether this view implies an animated flora, fauna (...)
or whether this should be understood simply as literary license. (…) Povinelli
is clearer about the situation among the people of Cox Peninsula (…) when she
writes: ‘The everydayness of their labor-action is swept within the suprahuman
realm of a sentient landscape populated with ancestors and totemic beings’”
(Povinelli, 1993, p. 133). “That is, when she refers to a sentient landscape,
what she is referring to is a landscape
believed by the people to be populated by ancestral spirits with human-like
form that live among the rocks and trees. However, in other places the
phrase seems to have different implications” (Povinelli, 1993, p. 150)
(Peterson, 2011, p. 168. Negritos meus).
9.
“(…)
the evidence that normatively Warlpiri, or other desert Aboriginal people
believe or believed that the world is
full of persons, only some of whom are humans or that plants and trees have sensibilities,
is lacking” (Peterson, 2011, p. 177).
10.
As Durkheim long ago perceived
Aboriginal practice does not make the totemic animal sacred, but only objects
like sacred boards and other things that stand for the totemic ancestors, which
are at the centre of
religious life. Their conception of life force has a lot more in common with the idea of sperm than it does with a world
filled with sperm-persons. Deep ecology and other anti-modernist views seem
influential here and until we have some substantive evidential base for Warlpiri,
or other Aboriginal, animist views, what we know points in the direction of a
variety of ancestor-oriented religion.
As to the new animism, where it is not the old animism, it seems to be either
the product of a substantial, if well meaning, empathetic muddle in the
Australian context, or confusing literary licence (Peterson, 2011, p. 177.
Ênfase minha).
11.
O
perspectivismo seria o modelo segundo o qual os povos da Amazônia possuiriam
ontologias em que os animais têm sua perspectiva própria – na qual são humanos.
É interessante notar que, na descrição perspectivista que Lima faz dos jurunas
(para os quais os porcos seriam, segundo Lima, humanos e, por isso, há rituais
de caça), haveria, dentre as comunidades de porcos, um chefe que se distingue
dos demais porcos, o porco-xamã, e é ele o porco que não pode ser abatido
durante a caçada. É a alma dele (e só dele) que se junta aos jurunas quando ele
morre (Lima, 1996, p. 22-23). Enfatizo aqui o paralelo entre o porco-xamã e os
wai-mahsã (Barreto, 2013, p. 70) e ainda a caipora (Almeida, 2013, p. 18) ou mesmo o lord dos animais, segundo Sprenger e
Arhem, como veremos.
12.
(…)
“the various aspects or components of personhood are constituted by exchange
and circulation between humans and non-humans (...). The word aspect describes
the constitution of Southeast Asian
personhood perhaps better than component, as it suggests various sides of a
person, like faces of a crystal, which come into being because they are
directed to something other than the person – a relationship that creates
the respective aspect. As Sillander (...) observes (...), the concept of the
person corresponds with the multiplicity of relations. Human beings thus appear
as temporary hypostases of cycles of reproduction which outlast human
lifespans” (Sprenger, 2016, p. 38. Ênfase minha).
13.
“I
did not come across the idea that game animals have a perspective or inhabit a
social world that they perceive in a similar way as humans perceive theirs.
There is a lord of the animals called yaa gemeai, ‘Grandmother Widow’. She
cares for the forest animals – the word cheo is used both for caring for
domestic animals and raising children – and makes them available to hunters by
releasing them” (Sprenger, 2016a, p. 79. Ênfase minha).
14.
“Wild
animals are just that, animals, categorically different from humans. They
constitute a distinct ontological category (...) and belonging to a separate
cosmological domain – the forest (...). However, they are animals with an owner
– the Animal Master. (...) this notion points to another significant difference as compared with the corresponding Amazonian
notion: the typical Southeast Asian relationship between Animal Master and his
animal protégés is molded on the relationship between the human livestock owner
and his domestic stock. From the point of view of the Animal Master, the
animals are his livestock. In other words, the relationship between Animal
Master and physical animals is here translated into the idiom of
owner-livestock according to what may be called the domestication paradigm”
(Arhem, 2016, p. 282. Ênfase minha).
15.
“[i]f
some non-Western ideologies conceive of persons only as emergent from their
relationships, as Melanesianists have
argued (...), then the gift objects which share some of these relationships
gain qualities of personhood as well” (Sprenger, 2016a, p. 84).
16.
“Os
judeus não têm olhos? Os judeus não têm mãos, órgãos,/dimensões, sentidos,
inclinações, paixões? Não ingerem/os mesmos alimentos, não se ferem com as
armas,/não estão sujeitos às mesmas doenças, não se curam com os mesmos
remédios,/não se aquecem e refrescam com o mesmo verão e o mesmo inverno que
aquecem/e refrescam os cristãos? Se nos espetardes, não sangramos?/Se nos
fizerdes cócegas, não rimos? Se nos derdes veneno,/não morremos?” (Shakespeare,
1968. Tradução de Carlos Alberto Nunes).
Referências
ALMEIDA, Mauro Barbosa de. 2013. Caipora
e outros conflitos ontológicos. Revista de Antropologia da UFSCar, v. 5, n. 1, jan.-jun.,
p.7-28, Disponível em: http://www.rau.ufscar.br/wp-content/ uploads/2015/05/vol5no1_01.MauroAlmeida.pdf.
Acesso em: 03 jan 2019.
ARHEM, Kaj. 2016. Southeast-Asian animism. A dialogue with
Amerindian perspectivism. 279-301. In: ARHEM, Kaj; SPRENGER, Guido (Orgs.).
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BARRETO, João Lima. 2013.
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Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Amazonas, Manaus. Disponível
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Resumo: Neste trabalho, pretendo abordar a atribuição de agência
a não-humanos em trocas de dádivas e nos animismos, com uma abordagem
processualista. A partir de uma revisão de certa literatura etnográfica
atualizada, teço uma crítica aos modelos animistas e suas aplicações ambientalistas.
Palavras-chave: animismo, antropologia econômica, dádiva,
pessoas e coisas, agência, teoria
antropológica.
Abstract: In this work, I wish to reflect on the attribution of
agency to non-humans (in gift-exchanges and in animisms) by means of a
processual approach. From a review of current ethnographic literature, I
criticize certain animist models and their environmentalist applications.
Keywords: animism, economic anthropology, gift, people and
things, agency, anthropological theory.